Justamente há seis meses, quase dia por dia, interrogava-se aqui o impertinente que há em mim sobre qual iria ser a resposta do Tribunal Constitucional ao recurso daquelas duas portuguesas que se querem casar (uma com a outra, entenda-se).
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Na altura, referi-me ao assunto sem qualquer intuito especulativo, mas apenas pela incapacidade de perceber o interesse das duas em aceder a um estado considerado antiquado, medieval e tão conservador que arrepia os pensamentos de qualquer progressista que se preze. E o meu interesse era, a tal respeito, tão inocente quanto é verdade reconhecer eu a todas as pessoas o sagrado direito às opções que livremente escolhem, designadamente nos domínios íntimos da sexualidade.
Recordo-me de que, então, a minha curiosidade foi despertada pela viril campanha de uma das juventudes partidárias (e digo uma, desta maneira indeterminada, por suspeitar que, lá no fundo, o tema é querido de outras das formações que hão-de gerar, ai de nós!, os futuros governantes deste país). Mas nunca por nunca passou pela minha cabeça que um primeiro-ministro de Portugal viesse a colocar no seu programa político (por mera caça ao voto) a consagração legal da união entre duas pessoas do mesmo sexo através de um estatuto com o nome de casamento, que é bem outra coisa (e sem preconceito religioso). Com tantas soluções possíveis, desde a união de facto já hoje comum, sempre pensei que a fértil imaginação dos campeões das reformas produziria obra asseada.
Enganei-me, está visto. E a tal ponto que esse acaba por ser um dos pontos capitais do programa político com que o actual chefe do Governo se candidata a novo mandato, para já sem se meter nas difíceis veredas da adopção, que podiam atrapalhar um pouco. Para o adiamento, serviu de desajeitada explicação o "simples pormenor" da procriação, o que deu uma irónica desforra à dr.ª Ferreira Leite… A julgar pelo que li, as justificações para o casamento de pessoas do mesmo sexo inspiram-se em altruísticas lutas contra a discriminação, não já entre pobres e ricos, não também entre políticos e paisanos, nem mesmo entre os "boys" e a ralé, e "et cetera". Essas questões são, ao que parece, consideradas verdadeiramente secundárias: importante, isso sim, é evitar a chamada discriminação entre aqueles que a natureza fez… diferentes. Vá lá entender-se! mas aqui, então, reclamo eu em nome de terceiros sem voz: porventura o progressismo alardeado para reconstruir, a partir de todos os desatinos, a moral e os códigos de costumes não chega para legitimar a poligamia? E, em nome das mulheres, pergunto se também não cabe aí a poliandria?