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“Não estou acima da lei.” Depois de acordar em sobressalto, o país ouviu da boca de António Costa as razões para uma saída de cena inglória, após oito anos de governação em que inventou a “geringonça”, atravessou a pandemia e enfrentou a inflação galopante decorrente da guerra na Ucrânia. Um processo judicial de grande envergadura acabaria com a demissão do primeiro-ministro. O terramoto político atingiu o coração do Governo, mas o futuro do país está agora nas mãos do presidente da República. O mesmo presidente que Costa desafiara, ao segurar, na mais grave crise institucional entre Belém e São Bento, o ministro João Galamba, agora constituído arguido.
As suspeições que pendem sobre o Governo são de uma enorme gravidade. Em causa podem estar crimes de corrupção, prevaricação e tráfico de influência. A detenção do chefe de gabinete de António Costa e do seu amigo de longa data Lacerda Machado seria razão suficiente para fechar o cerco sobre o primeiro-ministro, mas o anúncio de que António Costa iria ser investigado pelo Supremo Tribunal tornou inevitável o seu afastamento, comunicado ao chefe de Estado já depois de este ter recebido a procuradora-geral da República.
Aqui chegados, tem a palavra Marcelo. O que tem a dizer aos portugueses é de uma enorme complexidade, e qualquer exercício de adivinhação será arriscado. O mais provável - e atendendo também ao que têm sido as suas intervenções no passado recente - é que decida dissolver o Parlamento, convocando eleições antecipadas. Mas este desfecho poderá implicar a morte prematura do Orçamento do Estado para 2024 e o congelamento de uma série de decisões importantes para a vida dos portugueses, como a descida do IRS e a subida das pensões, bem como o aumento dos apoios sociais e dos salários da Função Pública. Na ponderação presidencial pesará ainda a crise inflacionista e o instável contexto geopolítico, marcado por duas guerras.
Depois, e convocando eleições antecipadas, o presidente saberá que tem diante de si um terreno partidário escorregadio: o PS enfrentará uma guerra interna pela sucessão e, à Direita, um PSD que não descola nas sondagens correrá o risco de ser engolido pelo populismo do Chega, que tentará capitalizar o caso de corrupção, agitando aquela que tem sido uma das bandeiras do partido. Luís Montenegro terá de mostrar que consegue mobilizar o PSD e entusiasmar o país, sendo claro a afastar o fantasma de André Ventura.
Cabe ao presidente zelar pela estabilidade política e pelo cumprimento da Constituição. Mas, neste momento de profunda crise institucional, cabe sobretudo a Marcelo Rebelo de Sousa a espinhosa missão de avaliar aquilo que poderá ser menos danoso para o futuro de Portugal e dos portugueses. Não é tarefa simples.