Vamos encurtar a milha náutica e dizer já que mete sexo, o escândalo. E desporto de alta competição, em processos e acusações que atormentaram, no passado, a Federação Portuguesa de Motonáutica. Mas a justiça chega, por definição portuguesa, sempre atrasada e o caso, que se passou com a anterior direcção da Federação, em 2017, só há dias chegou a julgamento.
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Entrei na sala a meio e, confesso, sustive a respiração, empurrado pelos motores da intriga, pelas hélices da coscuvilhice. Uma responsável do conselho de disciplina da Federação Portuguesa de Motonáutica confrontava-se em tribunal com o que tinha escrito e divulgado sobre o antigo director e uma secretária.
- A senhora escreveu assédio, chamou-lhe prostituta e nulidade, e a ele perturbado mental?
No banco dos réus, uma senhora baixa, de cabelo oxigenado, defendia-se como se estivesse equilibrada na proa, a alta velocidade. Cerrava os dentes contra o vento.
- São expressões que não são bonitas, mas que correspondem à verdade.
Em mails enviados a várias pessoas e entidades, aos hoovercrafts, aos barcos a motor, aos jet skis, etc., lançou uma vaga de denúncias graves, trágicas e cómicas. A federação era uma rebaldaria. Segundo ela, e colegas seus dos órgãos sociais, uma secretária inferior costumava embriagar-se, apanhava enormes pifos nos fins-de- -semana de competição e acabava na cama com quem lhe aparecesse.
- Penso que há ali uma psicopatia ou sociopatia... Sobre ser mentiroso, o senhor tem um certo delírio nas coisas.
- O tribunal percebe que a senhora entende que as suas palavras correspondem à verdade, disse a procuradora.
A arguida, no entanto, parecia cansada com a dimensão do caso:
- Temos de admitir que, mesmo sendo verdade, errámos e que queremos dar o melhor de nós. Errámos na altura, não estivemos bem. Temos de admitir que somos humanos e que erramos.
Mas logo voltava à sua razão. O comportamento numa federação de desporto profissional tem de ser exemplar.
- Eu, por exemplo, estou na cronometragem do jet ski. Todas estas pessoas fazem parte de um meio restrito.
- Se não viu, se não sabe que é verdade, como é que escreveu estas coisas?, perguntou a procuradora.
- Nós não podemos ignorar informações deste calibre, que podem comprometer a idoneidade da federação. Foi o próprio presidente que esteve com ela numa casa de strip!
Aqui, como é bom de entender, fez-se silêncio nos tectos baixos do Campus de Justiça.
A procuradora do Ministério Público perguntava-lhe outra vez o que é que sabia realmente. Respondia a acusada de calúnia que não tem a ver com moral sexual, mas com a verdade desportiva. É que, acrescentou, a tal secretária da prova punha-se a beber nos fins-de-semana de competição, em serviço e com despesas pagas.
- Alegadamente, porque eu não estava na cama com ela, nem quero estar!, ela teve relações sexuais com o presidente, com um piloto e outras pessoas, para benefício próprio.
E acrescentou, cada vez mais agitada, que o regulamento proíbe as pessoas não desportistas de se envolverem com desportistas ou árbitros.
- O conselho disciplinar não pode admitir que haja um relacionamento de alguém que possa colocar em causa a veracidade e o bom funcionamento da prova!
Soube, agora, que este caso vai continuar no fim do mês e que se trata de mais um na série de processos antigos dentro da federação, da luta com denúncias contra a corrupção. Lá tentarei estar, para ver e contar.
Enfim, esta vida da motonáutica está... estava a dar cabo de mim. Assim se navegava, há tempos, num país de marinheiros. E de marinheiras.
*Jornalista
O autor escreve segundo a antiga ortografia