Fartos de fatos que não servem ao Norte
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António Cunha, presidente da CCDR-N, deu uma valorosa entrevista ao jornal Eco, a 19 de agosto. A peça ter-se-á tresmalhado na languidez própria do veraneio. Se assim foi, é de lastimar. É que, sem papas na língua, ele fala aí da doença do centralismo que mina o ânimo regional e decorre da “pequenez de Lisboa”, do municipalismo remendado com fundos europeus, da floresta burocrática dos concursos públicos ou da perversa figura da providência cautelar. “Estamos fartos de nos obrigarem a vestir fatos e vestir roupa que não é nossa e que não se enquadra na nossa realidade”, desabafa.
Outros, como remédio, limitar-se-iam a pronunciar a reza da regionalização. Mas António Cunha sabe que a perspetiva de um novo referendo tem servido de álibi para a inação e a procrastinação. E que, no imediato, é preferível expandir o que ele chama de “capacidade de decisão regional” do que reincidir em estéreis danças rituais à volta do totem da regionalização.
Ao longo das décadas, a CCDR-N tem praticado uma indocilidade tão mais preciosa quanto as estruturas partidárias se têm notabilizado pela docilidade. A nível da região, os partidos perderam o uso das asas, como aquelas aves endémicas da Nova Zelândia que deixaram de precisar dessa habilidade para sobreviver (e que, na sua maioria, foram caçadas até à extinção...).
Tempos houve em que um presidente da CCDR-N podia ser militante do partido no Governo e ao mesmo tempo dizer nos jornais que “a falta de estatuto regional é uma afronta ao Norte” (2009) ou que “temos um estado centralista que é um inimigo do progresso de todo o território” (2010). Hoje, ao que se vê, é preciso um independente, como António Cunha, para dizer algo do mesmo calibre. E é por isso que o malogro da regionalização é tão imputável à pequenez de Lisboa quanto à tacanhez dos aparelhos partidários regionais.
No labirinto do centralismo, não estamos à espera de um Ícaro que ascenda tão alto a ponto de queimar as asas no Sol abrasador da capital. Que alguém trepe ao muro desse labirinto para mostrar as penas, como António Cunha, já não é pouca coisa. Esperemos que ele cá continue depois de 2025. A sua inteligência e independência fazem falta à causa da democracia regional.