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Há muitos anos, acompanhei jornalisticamente o chamado mundo sindical, a luta dos movimentos, comunicados e contra-comunicados, conferências de imprensa, marchas ruidosas, apitos, piquetes, cornetas, cartazes, gritos, pré-avisos. Greves, despedimentos colectivos. Subidas e descidas de avenidas... "Todo-Bom, Todo-Bom, fora da Telecom!" "A luta continua, não-sei-quantos para a rua!" Era uma mistura de exaltações e ofensas mútuas entre patrões e representantes dos trabalhadores, e recordei tudo isso quando há dias um sindicalista, com o sorriso e a pele blindadas pela experiência, com voz de barítono, começou o seu julgamento:
- Acho estranho estar aqui sozinho como acusado. Isto pertence a uma direcção e eu estou aqui sozinho.
Mais tarde no julgamento, a procuradora perguntou-lhe:
- É normal dizer-se que patronato e sindicato andam sempre às turras. A que é que atribui o facto de a assistente lhe imputar a si a inveracidade destes factos?
- Posso ser franco e lato? A gestão da empresa não foi a mais ética. De facto, a empresa queria forçar algumas organizações, encaminhá-las para assinarem um acordo.
Era um caso da aviação, essa máquina de nervos e de discussão perpétua: as greves nos aviões vão ou não estragar o Natal aos nossos emigrantes e obrigar criancinhas a três noites esfomeadas no chão dos aeroportos? Foi na Groundforce, os serviços de "handling", isto é, a assistência em escala ao transporte aéreo. Passageiros, bagagens, operações em pista e carga. Mas, sem operações em terra, os aviões não levantam no ar.
A administração da Groundforce acusou um dirigente de um sindicato de ter mentido quando disse que vários trabalhadores estavam a ser pressionados para deixarem de fazer greve. Um comunicado em que denunciava "prepotência da Groundforce no Aeroporto de Lisboa" e uma entrevista a um jornal na Madeira que muito perturbou a directora dos recursos humanos. O juiz lembrou:
- O senhor terá dito que diversos trabalhadores estavam a ser chamados pela Groundforce para explicarem porque estavam a aderir à greve. Isto é verdade?
- É bem verdade, concordou o sindicalista.
Mas, para a directora dos recursos humanos, isso começava numa mentira. "Nunca estaria em causa o direito de greve. Estas afirmações e a entrevista visaram descredibilizar as chefias, provocar uma insurreição contra as chefias." A senhora apenas reunira com alguns trabalhadores "no sentido de desenvolver, de acordo com o procedimento interno em vigor, acções de sensibilização junto daqueles para cumprirem todos os procedimentos assinados com as companhias". Porque muitos - cá está a eterna luta - se recusavam a cumprir tarefas, prejudicando os serviços acordados, por exemplo, para a TAP e os seus passageiros.
Mas o sindicalista sorria, direito como uma estátua falante.
- Os trabalhadores foram chamados, sotôr, para serem indagados sobre porque motivo faziam greve.
Esta pergunta, já se percebeu, nunca os patrões podem fazer, porque é considerada pressão ilegítima para desistir da greve. E mais sorria o experiente sindicalista, quando a directora veio, nervosa, explicar todas as suas ofensas. Porque ele defendia-se confirmando que tinha dito o que diziam que tinha dito, porque seria verdade. Pilotos, pessoal de cabina, controladores, mecânicos, pessoal dos aeroportos. Este Natal não há greves na aviação portuguesa. Mas atenção, é só até dia 27, cuidado com o Ano Novo. A greve não está afastada, já fomos pré-avisados, a coisa continua.
*Jornalista
o autor escreve segundo a antiga ortografia