Corpo do artigo
O PS começou a despertar do angelismo de que até agora comungava a respeito da imigração. André Pinotes Baptista, o novo presidente da federação distrital de Setúbal, criou um grupo de trabalho para debater a questão com “humanismo e realismo”. É um despertar estremunhado, como o de outros partidos da esquerda moderada, da Alemanha à Suécia. Estes dão-se conta, tardiamente, de que uma maioria de europeus não quer tanta imigração; sobretudo a ilegal.
Até quando podemos desvalorizar a pressão dos imigrantes sobre os serviços públicos? Ou a situação indigna de tantos que, cá chegados, resvalam para a pobreza e para a marginalidade? Ou a crescente sensação de desenraizamento em várias localidades? Ou o autoisolamento de alguns estrangeiros em sociedades paralelas?
Queremos compreender ou alienar as classes populares? Queremos escutar as suas inquietações ou usar de soberba, descartando-as como acéfalas e racistas?
Não devem as esquerdas lutar para que os benefícios económicos da imigração não aconteçam à conta da desvalorização dos salários, já de si baixos, praticados nos setores que tradicionalmente absorvem os estrangeiros? No passado, as esquerdas - e os sindicatos - compreendiam este perigo, assim como o risco da conflitualidade social. Os seus programas eram coerentes com essa compreensão.
À primeira vista, o PS ainda está psicologicamente condicionado pelo dogma de que a imigração é sempre uma benesse, seja qual for a sua quantidade e origem. O contributo dos imigrantes para a segurança social forneceu um álibi para persistir no dogma. Eles vão pagar as nossas pensões. Eles fazem os trabalhos que não fazemos. Os melhores argumentos dos moralistas são, afinal, argumentos economicistas.
Há um par de anos, o realismo de André Pinotes Baptista seria recebido como herético. Mas hoje são muitos os que querem esse debate no seio do PS, em vez o deixar à mercê dos habituais prosélitos do ódio. Haverá ainda tempo para remediar os anos de paralisia doutrinária e visões idílicas?
É preciso encontrar urgentemente a justa medida da imigração. Sob pena de pactuarmos com novas injustiças. E com novas tiranias.