Malfeitorias dos romanos na Avenida da Boavista
Corpo do artigo
Foi preciso esperar pelo ano de 2024 d.C. para que a cultura castreja que está na raiz do Porto saltasse para a ribalta. Como é sabido, esta cidade tem origem num povoado pré-romano: o castro de Cale, no morro da Sé. O que ninguém esperava é que esse revivalismo acontecesse às custas - ou às costas - de Siza Vieira. As estações do “metrobus” por ele concebidas para a Avenida Marechal Gomes da Costa foram comparadas a dólmenes pelo presidente da Câmara. E Siza a Obélix.
Mas a crítica aos apeadeiros megalíticos da Marechal só serve para nos distrair do que verdadeiramente está em causa: a desfiguração da Avenida da Boavista em nome de um autocarro a pilhas.
O Porto insurgiu-se contra os molhes no Douro e contra os mamarrachos junto à ponte da Arrábida porque estragavam as vistas. Como é que uma cidade com tão apurado sentido estético consegue conviver com uma Avenida da Boavista transformada num caudaloso rio de alcatrão? Lembro que a Câmara já quis aí fazer correr um verdadeiro curso de água: a ribeira de Aldoar, que está entubada sob aquela artéria. À época, vendiam-nos esse projeto como forma de “unificar” a Avenida e de ajudar a diminuir o calor. Supõe-se que o alcatrão tenha igual efeito climatizador. E se a unificação não se faz pela água, faz-se pelo betume. Tanto faz.
É imperdoável que se tenha desbaratado esta oportunidade para redesenhar a Avenida da Boavista à escala humana, em remissão de décadas de maus-tratos e de cacofonia urbanística. É insólito que um novo transporte público a mantenha refém do automóvel soberano - as fatais duas faixas. E sem medidas de acalmia de trânsito num dos eixos de maior sinistralidade da cidade.
Mas havia mais. Afinal, as quadrigas do “metrobus” não chegam antes de 2025 e a Metro do Porto mandou a STCP fazer o serviço com autocarros tradicionais. Só que estes não têm portas do lado esquerdo, como em Londres, e teriam de inverter a marcha para embarcar os passageiros…
É caso para dizer: “estes romanos são loucos”.
Por sinal, há quem pense que o Porto é um protetorado e a Câmara uma espécie de regente. Mas confiemos em Rui Moreira para se opor à romanização da STCP e colocar a Metro do Porto no devido lugar.