Se por acaso Santo António me estiver a ouvir, ou a ler por estes dias, sugiro-lhe que dê um salto à casa de Mário e de Maria, se ele ainda lá morar.
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Sei que anda sempre entre Lisboa e Pádua, e por todos os sítios onde há pessoas e sardinhas (porque este peixinho há em todos os oceanos do Mundo, como os portugueses, que são as sardinhas da Humanidade), mas Santo António faz o milagre de estar em dois locais distantes no mesmo minuto, e não é pedir-lhe um impossível para que vá ver o Mário e a Maria. Ser Santo Casamenteiro não é só juntar duas pessoas aos beijos, casá-las e saltar para outro serviço, um Casamenteiro tem responsabilidades e deve estar pronto para quando começam as bofetadas e pontapés, pelo menos é o que eu acho, que não estudei Teologia.
Não é na Rua do Paraíso, ele no tribunal primeiro disse Rua do Paraíso, mas era engano, depois percebeu o erro e mudou para a morada certa, aliás Rua do Paraíso não batia a bota com a perdigota, porque faz agora um ano, nos Santos Populares de Lisboa, Mário deu matéria para este relato policial: "Consumidor de álcool e outras drogas, fica cheio de agressividade, controla tudo o que ela compra, sabendo que ela é dependente economicamente dele, nesta data deu-lhe bofetadas, apertou-lhe o pescoço, fê-la bater violentamente com a cabeça na parede, atirou-a contra o chão, em várias ocasiões lhe chamava puta, vaca, porca, quando tentava ter relações sexuais e não conseguia erecção, dizia "porque será, porque será?, a culpa é tua, o que afectava a sua feminilidade", ela deixou de se arranjar tanto nas unhas como no cabelo, começou a vestir-se desleixadamente, e se calhava arranjar-se, ele gritava "vais dormir com alguém". Mário, no tribunal, era um homem pequenino, parecia cortado pela metade. Só disse que é pedreiro, confirmou que já esteve preso por uns assuntos parecidos e que Maria era e continua a ser a sua companheira. Sobre os factos, quer prestar declarações?
- Não, disse Mário, no seu direito.
Depois entrou Maria, numa canadiana bamboleante, volumosa e triste, e também disse "sim, é o meu companheiro" e acrescentou que não queria falar, era o seu direito.
E chegou a vizinha Alzira, a do prédio do lado, aquela que "não tenho nada contra o homem", às vezes via-o "a passear o bichinho" mas que nos Santos de há um ano "ia passear as minhas cadelinhas e ouvi eles a discutirem e para as coisas não se alargarem entrei para os separar, mas ai, doutora, o que foi ou não foi já me lembro"
Recordou-se, no entanto, de ver Mário embriagado a segurar as mãos de Maria, que viu nódoas negras nos rins, e que tinham estado todos a beber, "todos, eu também bebi". A vizinha passou pelo mesmo e "não estamos à espera que o nosso companheiro nos trate mal, é normal que a gente se sinta magoada." Foi de tal modo a noite que foi ele, Mário, quem chamou a polícia que o prendeu! A juíza, no fim, perguntou a Maria se, não fosse aquele um crime público, de que não se pode desistir, se desistiria. E Maria levantou-se na sua muleta e deu, finalmente, um contributo para a ciência do Direito:
- Da gravidade do que foi, eu continuava, mas eu não quero continuar.
A procuradora pediu pena de acordo com um reincidente que na prisão "demonstrou hábitos de trabalho". E tratamento compulsivo do álcool e a proibição de Mário se aproximar nem que seja a uns metros de Maria.
Santo António Casamenteiro, por si, pelo Mundo e por Lisboa, dê um salto à casa de Mário e de Maria, se ele ainda lá morar.
*Jornalista