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A Primavera lá vai e vem, flutuando ao ritmo das bolsas de valores do Nasdaq, Nikkei, London Stock Exchange e do tuga Psi-20. It’s gonna be great, beautiful, never seen.
Da sala onde vos escrevo com os olhos na chuva-sol, chuva-sol, tenho infelizmente de informar que, aproveitando a distracção provocada pelas tarifas trumpuárias do Donald e pela bactéria Spinumviva (multi-resistente a éticas e antibióticos) o bicho resolveu voltar. O maldito bicho, o vírus Sars-19 está vivo. A covid entrou-me pela janela e levou à cama um quarto da população mundial da minha casa. Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, mas já se dispensava.
Ora a desgraça disto, a cómica coincidência, é que começam a chegar em força aos tribunais portugueses os efeitos da pandemia e dos confinamentos de há quatro, cinco anos. Já vos contei aqui alguns mais urgentes, os de violência doméstica: o filho bêbedo que bateu no pai na cozinha e gritou “acudam, que matei o meu pai!”, o filho cocainómano que espancou a mãe à frente do netinho, o casal que atirou o enxoval de porcelanas um ao outro, porque não dava para se separarem e um deles sair de casa. Para nunca nos esquecermos dos dias em que não haver aviões no ar ia salvar o planeta, chegam também a julgamento coisas mais pequenas, de natureza económica.
Por exemplo o director comercial de uma conhecida rede de papelarias que ontem entrou na sala do tribunal em passo cansado, os olhos de quem suspira “era só mais esta que me faltava.” Tinha a cara dos gestores de negócios em crise, daquelas lojas que sobreviveram à grande purga do confinamento, e a quem aconteceram coisas inusitadas. A rede de papelarias estava a ser julgada pelo crime de não ter colocado na loja do Rato um aviso a dizer que o tabaco que vendia lá dentro era interdito a menores. A brigada chegou um dia e descobriu a calamidade: ah, onde é que está o aviso?
E o gestor lá respondia, cinzento como o dia: a menores ninguém vendia tabaco, evidentemente, os dois funcionários estavam plenamente esclarecidos, em caso de dúvida pediam a identificação, eles só tinham começado a vender tabaco porque os poucos clientes se queixaram de que os quiosques à volta do Largo do Rato tinham fechado com a pandemia, não havia cigarros, e dentro da loja tinham de tratar das condições de entrada e saída higiénica dos clientes, do controlo do material e das vendas, os empregados eram poucos porque as escolas fecharam e alguns tiveram de ficar, precisamente, com os menores em casa.
Então, “por excesso de trabalho ou por esquecimento”, não colocaram o aviso, mas no dia a seguir fizeram-no, como aliás acontecia nas outras lojas. O mais minúsculo nesta história é que, numa papelaria que até vendeu bastantes jogos de crianças, e telas e tintas para os adultos se distraírem como artistas, no mundo estagnado do confinamento, a venda de cigarros foi uma miséria. Entre começar a vender até à brigada de fiscalização chegar, venderam-se 40 maços de tabaco. Com uma margem de lucro de quatro ou cinco por cento, explicou o gerente das papelarias, “ganhámos 12 a 15 euros” num mês e meio. E no ano todo, 300 maços vendidos, nem chegou a um por dia, de maneira que desistiram, já não há tabaco para ninguém ali.
É também destas grandes causas que o Estado português se alimenta, alguém tem de fazer algo para financiar a recessão mundial que se aproxima. Ou não, ou não, que isto é uma oportunidade. Vai ficar tudo bem, it’s gonna be great, never seen, beautiful.
O autor escreve de acordo com a anterior ortografia