As imagens dos últimos dias, do impacto das chuvas em diversos concelhos do distrito de Lisboa, não devem ter deixado ninguém indiferente.
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Para lá da vítima mortal, os danos causados no património de diversos cidadãos, empresas e entidades públicas traduz-se em prejuízos de valor incalculável, dificilmente recuperáveis.
Acrescem ainda as situações aflitivas com que tantos se tiveram de confrontar, nos mais diversos contextos, e que valor financeiro algum pode compensar.
Para quem observa ao longe tais circunstâncias, as mesmas só podem gerar um sentimento de inquietação. Pese embora derivem (também) de especificidades do território - ao nível da sua geografia e das condições infraestruturais (como a ausência da capacidade de drenagem que agora vai ser melhorada) -, não é de todo seguro que não possam ocorrer à sua porta.
Como o presidente da Câmara de Lisboa repetiu à exaustão nas suas primeiras declarações públicas, na base destas ocorrências está em primeira linha o fenómeno, hoje bem visível, das alterações climáticas.
Por melhores condições de escoamento das águas que possam existir, nenhum sistema de drenagem está habilitado a responder de forma capaz a níveis de chuva concentrados no tempo, como aqueles ocorridos em Lisboa.
A propósito de situações similares, mas felizmente de consequências bem menos gravosas, ocorridas na cidade de Braga em diversas ocasiões, cheguei a sugerir a um vereador da oposição que fizesse o seguinte exercício: se ligasse, por exemplo, a água no máximo no lavatório e por tempo indeterminado, veria que jamais a mesma ficaria retida no mesmo. Se, em alternativa, despejasse em simultâneo duas bacias de água no mesmo lavatório, constataria que a mesma acabaria por transbordar.
Por ridículo que pareça, o exercício ilustra bem os riscos com que todos estamos hoje confrontados, e que só de forma ilusória poderemos pensar que ficarão resolvidos com o aumento da capacidade de drenagem das águas (visto que a mesma terá sempre um limite físico que não será possível ultrapassar).
Para cúmulo, aliás, porque se trata de um investimento invisível, enterrado e que só se faz notar nestas situações, os cidadãos tendem a desvalorizar os projetos concretizados na melhoria destas redes, que representam valores assinaláveis.
Mais do que um sentimento de fatalismo em relação a este grave problema, faz sentido falar, também aqui, de um "novo normal" a que todos teremos de nos habituar, e que exige a regularidade da manutenção e limpeza das redes, a capacidade de antecipação das entidades da proteção civil e a conduta responsável dos cidadãos, "apenas" como fatores de mitigação dos riscos existentes.
*Presidente da Câmara de Braga