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Deve haver, ou devia, uma lista das profissões desprezíveis e rasteiras do Mundo e lá no cimo desta escala invertida podia vir a actividade praticada por Hugo, o ladrão de velhotas.
No entanto, e mais uma vez, Hugo deu-se mal com a vocação. Hugo estava a ouvir a sentença, retesando os nervos dos braços atléticos. A juíza falava sobre uma das suas vítimas, a senhora que vivia na casa em que entrou, invadiu, em que Hugo se insinuou com a sua namorada, usando uma mentira qualquer.
- Independentemente da idade avançada, e da sua falta de mobilidade e por aí afora, foi das testemunhas mais claras que temos tido aqui nos últimos tempos. A senhora, disse a juíza, foi de uma precisão e de uma clareza a toda a prova. É certo que a senhora não nos diz que o viu a tirar a carteira, mas parece-nos evidente que não podíamos concluir de outra maneira. Não houve mais ninguém lá em casa... O senhor veio aqui trazer-nos a hipótese de ter sido a sua namorada a tirar a carteira quando o senhor foi beber água à cozinha, mas essa situação ficou afastada pelo testemunho da ofendida, quando nos diz que essa sua namorada nunca se aproximou dela e quando diz que foram os dois beber água à cozinha.
Ideia bonita, Hugo, lançar as culpas para a namorada.
- Ainda que a senhora Mariana tivesse ficado na sala enquanto o senhor foi beber água, continuou a juíza, nunca se aproximou da ofendida o suficiente para lhe retirar a carteira, não havendo dúvida de que estava lá a carteira, e que tinha lá um valor económico. E que depois a seguir, quando já lá não estava ninguém, também o dinheiro lá não estava, e não estava a carteira, pelo que o tribunal tem de concluir que foi o senhor quem, de facto, retirou a carteira.
Quanto à pena a aplicar, disse a juíza:
- O senhor sabe os antecedentes criminais que tem, as várias penas de multa não foram suficientes para o dissuadir de praticar novos actos criminosos.
Nesta fase, a pena de multa já não é uma opção, já não é uma alternativa viável. O juízo de prognose que se faz de confiar que esta pena, que esta ameaça é suficiente para que o arguido se oriente, manifestamente não aconteceu. Portanto, o tribunal decide optar pela prisão.
Um ano de prisão efectiva por furto qualificado. Surgiu então mais um interessante pormenor de Hugo, o invasor de domicílios:
- O senhor praticou estes factos poucos dias depois de ter outra condenação e tem várias outras condenações posteriores.
Nunca reconheceu a culpa. Lá fora, escoltado por dois guardas, que lhe algemaram os braços atléticos, Hugo manteve-se pensativo, taciturno, a boca torcida por um chá forte. Hugo parecia, por assim dizer, ter atingido finalmente um estatuto profissional no ramo dos ladrões de velhotas. Informou a advogada que mais tarde iria decidir se valia a pena apresentar recurso e voltou para a penitenciária.
*Jornalista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)