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Não tenho sido muito de antecipações nesta minha vida de tribunais mas imagino que, mais dia menos dia, irei assistir ao julgamento de um caso “Olá, mãe, olá, pai.” Vou já alertar quem me lê para isto: mães e pais deste país, nunca, mas nunca, acreditem que é o vosso filho quem vos pede para fazer um pagamento multibanco na entidade 21800. Isto é, dois, um, oito, zero, zero. É mentira, é uma fraude que pode destruir a paz familiar e as economias ganhas em Portugal como se sabe entre as pessoas honestas: com muitas dificuldades. Já sei que o futuro julgamento só será com arraia miúda, o peixe graúdo desta rede de vigaristas internacionais estará a terminar o Verão no estrangeiro, imagino que em iates na Rússia ou no Brasil, é aí que os cérebros criminosos aguardam nas calmas o dinheiro fácil que lhes chega electronicamente às contas secretas. Será pois, como se diz nos negócios escuros, uma “mula”, o homem ou mulher que poderá responder em tribunal, um pequeno testa-de-ferro que recebeu uma comissão ridícula pela burla.
E, no meio disto tudo, todo o sofrimento, estupefacção e raiva de uma mãe ou pai. Um amigo telefonou-me ontem do outro lado do mundo, dizendo que a mãe tinha sido vítima de burla. Vários milhares de euros. Alguém tinha conversado com a mãe, por mensagens Whatsapp, convencendo-a de que era ele próprio, o filho, a pedir ajuda urgente.
Nunca eu, confesso, tinha ouvido falar num caso destes, que implica um conhecimento mínimo da parte do vigarista: que é uma senhora com um filho, o que obviamente não é invulgar, mas sabendo coisas da vida dela, a começar pelo número. Pedia-me este amigo para saber se era possível fazer alguma coisa.
E telefonei de imediato ao meu caro Carlos Ademar, escritor e ex-inspector da Polícia Judiciária, que me disse o que já todos devíamos saber. Que estes casos são cada vez mais comuns, que estão a inundar os tribunais. Que pouco se pode fazer, o pagamento é voluntário, não há seguro para isto e os bancos nunca irão assumir que têm culpas ao transferir dinheiro de um cliente burlado. A única coisa a fazer, disse-me Carlos Ademar, e urgente e necessário, era apresentar queixa à Polícia Judiciária, que poderá seguir a pista do dinheiro e das contas da burla. Cortar pelo menos uma das cabecinhas desta hidra.
Vou ler-vos os diálogos que teve com a senhora burlada, para se ver a falta de vergonha da rede “Olá mãe, olá pai,” fazendo-se passar por um filho em dificuldades.
“Mãe, guarda o meu contacto. Vou usá-lo provisório o meu telemóvel avariou, deixei-o para arranjar. Beijinhos.”
“Estás ocupada mãe? Podes fazer-me um favor?”
“Preciso de fazer um pagamento importante hoje, mas estou sem acesso a aplicação neste telemóvel. Podes fazê-lo por mim? Amanhã devolvo-te o montante. Podes ir ao multibanco?”
“Aqui vai, liga-me”, responde a mãe, comprovando o pagamento de quase mil euros.
“Preciso de fazer outro pagamento podes fazê-lo? Amanhã devolvo-te o montante.”
(Há uma chamada de voz perdida da mãe)
“Mãe, estou com dificuldades em fazer chamadas por telemóvel. Diz-me por aqui.”
“Se for uma quantia pequena”, responde a mãe.
“993€”
“O rapaz está à espera deste pagamento. Vou enviá-la a referência.”
“Vou fazer mas fico em negativos e dentro de dois dias em incumprimento do cartão de crédito”, diz a mãe, desesperada.
“Amanhã devolvo-te o montante. Quando fizeres envia-me a fotografia do comprovativo por aqui, preciso enviá-la ao destinatário.”
“Mãe, podes fazer este último pagamento? Este último é urgente o pagamento.”
“Não tenho dinheiro. Acabou todo. Nem dinheiro, nem crédito.”, responde a mãe.
“Ajuda-me por favor.”
Alguém que páre esta vergonha, alguma entidade que barre o 21800, covil de vigaristas e burlões, que andam por aí no Whatsapp porque isto parece, se calhar é, tudo deles.