"Portugal não gosta de arquitetura. Os arquitetos são os chatos que vêm complicar tudo". Ouvi isto, por esta ordem, da boca de Siza Vieira e até me arrepiei. Mas, pondo-me a pensar, cheguei à conclusão de que o arquiteto tinha razão.
Corpo do artigo
Debatem-se entre os donos de obra particulares, sempre com falta de tempo para perceberem como o arquiteto responde àquilo que lhe foi pedido, e os donos de obra pública, tantas vezes consumidos pelo retorno de um nome de cartaz, mas sem verdadeiro interesse pelo artista e a sua obra.
Fazem projetos que entregam antes de lhes serem pagos. Participam em concursos com critérios de avaliação baseados apenas no preço mais baixo. Avançam para a obra, quando conseguem ganhar, sem a menor ideia de quando receberão as verbas acordadas.
Isto é genericamente mau mas passa a angustiante quando vemos triturados nesta engrenagem artistas da craveira de Álvaro Siza, Souto de Moura e tantos outros com reconhecimento e projeção internacional.
Sim, sabemos que as regras processuais e administrativas obrigam a que quem desenhava uma obra de arte no estirador tenha agora de se socorrer de equipas inteiras de juristas a economistas para conseguir entregar um projeto. E também sabemos que a proteção da livre concorrência, via contratação pública, se transformou numa armadilha que rouba muitos graus de liberdade aos adjudicatários. Mas, mesmo assim, há que perceber o valor ímpar de tantos dos nossos arquitetos e fazer de tudo para garantir o máximo da sua produção, com liberdade, enquanto estão entre nós.
O retorno é garantido. Digo isto a partir de uma casa extraordinária, onde passo uns dias de descanso, projetada por Alcino Soutinho. Aqui, o arquiteto foi livre e a obra que sonhou entre penedos e arvoredo, captando a luz filtrada por mil tons de verde, incorpora de tal forma o sentido da beleza que transforma a qualidade do tempo em que por ela passo.
E este é um sortilégio para muito poucos feiticeiros.
Analista financeira