Corpo do artigo
Sepúlveda não se vai aborrecer comigo, mas o céu é uma tela infinita borratada a cinza-escuro. Só os raios abrem brechas de luz, em intervalos de tempo perfeito, impossíveis de serem contados ao relógio, porque quando aqui estamos deixa de haver tempo. Mas é perfeito, tenho a certeza. De cada vez que rompem o horizonte, a anunciar o trovão, é como se víssemos a terra rasgar-se em dois. É um terramoto no céu, neste céu, agora agreste, de Trás-os-Montes. De repente, já chove a cântaros, uma chuva parece-que-nem-molha, porque os sentidos estão todos alinhados no espetáculo que o trovão trouxe. Não sabes se estás bem, se estás mal, se estás mais ou menos. Só sabes que isto não pode ser por acaso, que vai acontecer alguma coisa. Não sabes se é uma coisa boa, se é uma coisa má, se é uma coisa mais ou menos. Mas sabes que a Natureza não te vai deixar a seco só com a chuva. E toca o telefone: "O Leça subiu". E voltas a sorrir. E ligas aos filhos, mandas mensagem aos amigos mais queridos. Porque são as tuas cores, as dos teus irmãos, as dos teus pais, o verde da vida e o branco da luz naquela camisola. Entretanto, o trovão vai embora. Olhas à volta e só vês um céu azul, recortado pela montanha, e o verde na terra. Estas são as cores de Trás-os-Montes, aquelas que uma regionalização que não chega nunca poderá apagar, ainda sem turistas em bando a esquartejarem-lhe a alma. Há dias assim, em que só despertamos com a chegada do raio do trovão.
* JORNALISTA