Para um novo ciclo de políticas culturais no Porto (II)
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Em virtude de um investimento sem precedentes e de uma opção de fundo, a Câmara Municipal é hoje o principal agente cultural do Porto. Há nisso um lado luminoso, mas o frenesim de programação centralizada nos espaços municipais - e a partir da Ágora, E.M. - transformou a edilidade numa hiperestrutura que ensombra o tecido independente. Tem havido programação cultural a mais e política cultural a menos.
A programação assenta na ideia da mediação, mas transporta uma dimensão prescritiva, para não dizer paternalista. Confiar demasiado nas suas benesses afeta a imprevisibilidade e a controvérsia que os artistas devem ter a possibilidade de introduzir num quotidiano cada vez mais planificado. Caucionada pelo poder, a programação cultural tende a despossuir os artistas das suas narrativas, recobrindo-as com uma narrativa oficial. Ora, uma vereação da cultura tem de evitar quer a toxina do dirigismo, quer a overdose de mediação. Há que dar espaço aos artistas para se relacionarem diretamente com as populações.
Uma política cultural passa também por aliviar os criadores das consumições burocráticas e gestionárias a que sacrificam tempo e força anímica em doses irrazoáveis; passa por outorgar solidez e autonomia às suas estruturas, para que durem para além das coproduções, dos programadores e dos mandatos autárquicos.
Num próximo ciclo, importa que as estruturas consigam sedimentar o seu projeto artístico, incubar fidelidades, amadurecer os seus espetáculos no palco - em vez do toca e foge de dois dias no Rivoli. Para tal, é preciso providenciar salas de pequena e média dimensão, como espaços de ensaio a salvo de rendas exorbitantes.
O que o Porto não pode é deixar as suas companhias históricas à mercê de desfechos adversos dos concursos da DGArtes. Poderíamos ter evitado o apoucamento da Seiva Trupe e o desterro do Teatro Pé de Vento se tivéssemos um programa municipal de apoios financeiros plurianuais. A 18 de setembro de 2023, o PS viu aprovada na Assembleia Municipal uma recomendação nesse sentido, com os votos favoráveis do grupo de Rui Moreira. Tivesse o Executivo aplicado essa recomendação e teríamos hoje como socorrer a Assédio e a Palmilha Dentada, injustamente excluídas dos apoios do Estado central.