Para um novo ciclo de políticas culturais no Porto (IV)
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Em 2022, surpreendido por um levantamento cívico em torno da “extensão do Romântico”, Rui Moreira pôs cobro a uma inaudita e dissolvente operação de intelectualização do “Museu da Cidade” – um museu inexistente, na verdade, desde o fecho do que existia no Palácio de São João Novo, nos anos 90. Convalescidos daquele traumatismo, soubemos que o “Museu da Cidade”, rebatizado Museu do Porto, terá o seu polo principal nesse mesmo Palácio (como o PS propusera em 2013), mas que ficará provisoriamente instalado no edifício da Alfândega enquanto decorrer o seu restauro. Mas, desbaratadas as coleções do defunto museu, o que haverá para instalar...? Enquanto se aguarda o dito restauro, importaria identificar e preparar, em diálogo com a cidade, as coleções que ali vão ser conservadas e exibidas. Tal museu não fará sentido se a cidade não o sentir como seu. Isso pressupõe assumir que ele será o museu do povo portuense – da sua memória coletiva; e que todos os portuenses – dos mais aos menos instruídos – serão capazes de o compreender.
As notícias da frente museológica inquietam...
Há tempos, assistimos ao desmantelamento do Museu da Imprensa – uma história mal contada – e logo numa época em que a imprensa tradicional luta pela sobrevivência. Para o antigo Matadouro projetou-se um museu com um conceito inefável: as “convergências” culturais. Perguntamo-nos que público conseguirá atrair e se esse espaço não ficaria mais bem servido com o Museu da Indústria ou com um Museu do Liberalismo, ambos com indiscutível ancoragem portuense.
O Mundo não é só composto de mudança e de mistura. O museu é também o lugar do anacrónico e do extemporâneo; um lugar divergente... Nesta era do desenraizamento, da distração e da hiperestimulação sensória, o museu tem de estar do lado da solidez e da permanência, e até do lado do recolhimento e da contemplação silenciosa.
Também por isso, é preciso olho vivo e mão de ferro da Câmara para com tentativas de abastardamento e mercantilização do Património Mundial da Humanidade. É que o Porto não é uma cidade líquida. Como escreveu Eugénio de Andrade, os portuenses são donos de “uma solidez que levam às coisas da arte e do coração”. O Porto é uma cidade sólida.