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Entre a apologia da deportação e a beatificação dos imigrantes, o debate sobre a imigração prossegue no nosso país capturado pelos extremos. Ora, no campo da Esquerda, as recentes declarações de Pedro Nuno Santos não só introduzem sensatez e moderação como religam o PS ao ideário histórico da social-democracia. “É impensável que seja o mercado a determinar os fluxos migratórios”, declarou, defendendo “uma regulação humanista”.
O secretário-geral do PS distanciou-se do utilitarismo que reduz os imigrantes à mão de obra barata e abundante, aos pagadores das pensões futuras e aos procriadores que reequilibram o saldo natural. Ao Estado caberia pouco mais que registar os fluxos da mercadoria encomendada por empresários e patrões, à la carte. Azar dos imigrantes se acabarem miseráveis e explorados, a dormir ao relento ou amontoados em caves insalubres.
A desumanização dos imigrantes tanto se faz pela sua diabolização como pela sua mercantilização.
Historicamente, o socialismo bateu-se por uma socialização da imigração, a qual passava pela fraternidade, pela igualdade laboral e salarial, pela mediação sindical, pela adaptação do Estado-providência, mas também pela alfabetização, pela comunicabilidade e pela reciprocidade.
O imigrante refaz a sua vida numa terra que lhe é estranha. O desterro implica perda e renúncia. Por isso temos para com ele um dever de hospitalidade e empatia. Mas ele também é convocado a uma adesão, a uma disponibilidade para entrar em ressonância com o país de chegada, a ponto de, um dia, se reconhecer nele.
O simples respeito pela lei não produz imigrantes integrados. No espaço europeu, sem a interiorização da cultura dos direitos humanos, sem a adoção dos valores inegociáveis das democracias liberais e laicas, a integração é uma miragem. O indiferentismo cultural convida ao descaso por esses valores.
Estou certo de que era a esse “modo de vida” e a essa cultura que se referia o secretário-geral do PS nas suas declarações. Alguns dos que se apressaram a distorcê-las ou a caricaturá-las revelaram mais sobre os seus próprios estereótipos e preconceitos do que talvez imaginem.