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Muito mais ou menos há oito anos, mais concretamente há oito anos mais ou menos a este mesmo dia desta semana deste mês, estava a esta secretária vendo o azul do céu a iluminar-se com o arrebol dourado da manhã, quando a minha filha entrou na sala porque ia sair para a escola e eu dei-lhe um beijinho e disse-lhe, olha, filha, lá vais tu para um mundo diferente, acaba de mudar tudo, deitámo-nos há poucas horas com a vitória da Hillary Clinton e acordámos com o Trump presidente. Está a declarar na TV a vitória e a anunciar a “american carnage”, a carnificina americana.
E aqui estamos nós de novo, Trump reinstalado na Casa Branca, fortalecido e pronto a expulsar em massa, a insultar quem lhe apetece, a fazer dos princípios humanos uma falcatrua imobiliária e aqui eu à secretária a lembrar-me de um outro escroque que vi há dias no tribunal. Medra este, inevitavelmente, numa escala mais pequena, num estado inicial do descaramento, da ganância, da mentira igual à verdade, da fraude, da traição aos amigos e à justiça, este escroquezinho de que vos vou falar é muito mais pequeno ainda do que o estimado Ricardo Salgado, a quem o comportamento exemplarmente corrupto me pôs esta iluminação na cabeça: é das elites que sai a maior ralé.
Era um espanhol arguido num tribunal português, ali ao Campus de Justiça de Lisboa, e a conversa com a juíza seguia mediada por um intérprete oficial, o que, passado algum tempo do interrogatório, deu a impressão de que a necessidade da tradução servia apenas para enrolar as respostas, o homem percebia tudo, vive em Portugal e fala português. Mas assim se ia fazendo de parvo.
A acusação contra ele era de “abuso de informação qualificada”. Este homem, trabalhando como advogado e assessor jurídico com acesso a informações bancárias e financeiras reservadas, tinha-se aproveitado dos seus conhecimentos para fazer compras e vendas. E, sendo secretas, eram também descaradas.
Isto, claro, metia uns amigaços na história que agora não convinha reconhecer. Por exemplo, a relação com um tal Gonçalo. “Amistad, ninguna”. Ao Gonçalo tinha-o visto quatro ou cinco vezes em cinco anos. E com o Francisco ainda menos, duas ou três numa vida inteira. Quer dizer, “é verdade que a mãe do Gonçalo é prima da minha mãe, mas elas não têm relação nenhuma”.
Coisas neste grau de desprendimento é que fazem fortunas na banca, não acham? E como é que ele mexia nas acções?
- Se baixa, vendo. Vejo até quanto é que posso ganhar, explicava o homem.
- Mas aqueles relatórios estratégicos do banco quando é que eram publicados? Como é que explica então que a sua compra tenha sido a 10 de Fevereiro?, perguntava-lhe o procurador, quando
é que deu ordens para vender as acções do BPI?
- Eu ajo sempre assim: ou estou ou não estou. Nunca fico só com uma parte.
- Quando é que teve conhecimento da OPA?
- Pela rádio.
- A questão aqui é ter adquirido as acções sete dias antes da OPA. E depois as ter vendido.
Em resumo, este senhor, beneficiando de segredos internos, de um dia para o outro, sem saber ler nem escrever, como diz o povo, ganhou 40 mil euros. Sem fazer nenhum. Quer dizer, claro que sabe ler este mundo e há pelo menos outra coisa que sabe: praticar crimes de colarinho branco.
De pequenino se torce o corruptinho. É das elites que sai a maior ralé.