Três portuenses e o futuro da Europa
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A 8 de maio de 1945, faz hoje oitenta anos, cessava o morticínio fratricida da Segunda Guerra Mundial. A 23 de maio, o artista António Pedro lia, aos microfones da BBC, um poema prenhe de angústia e de augúrios, “Europa”, de Adolfo Casais Monteiro, nascido no Porto, na freguesia de Massarelos: “Europa, tu virás só quando entre as nações/ o ódio não tiver a última palavra”. Anos antes, um outro ilustre portuense, Abel Salazar, articulava precocemente o dilema da consciência europeia: manter o conceito de nação, petrificando a história (e perpetuando o belicismo nacionalista), ou superar esse conceito, destruindo o sistema histórico vigente no último século e meio. A Europa tendia para um conceito futuro, argumentava ele, “como para qualquer coisa que se desenha nas brumas do horizonte, sem, no entanto, se poder precisar o que seja” (“A crise da Europa”, 1942).
Felizmente, a história não ficou petrificada. A União emergiu das brumas. A Europa com que sonhava Casais Monteiro tomou forma. As gerações seguintes amanheceram sem viver o horror da guerra. Mas o conceito de nação persiste; é ainda o presente, embora pertença já ao passado. A Europa ainda tende para um conceito futuro.
Na desordem mundial de 2025, há novas brumas no horizonte. O espectro da guerra ressurge nelas. Mas há também uma silhueta que se desenha com crescente nitidez. O seu rosto é rosto do federalismo. A Europa não voltará a ser uma potência verdadeiramente capaz de dissuadir, proteger e ajudar, se não evoluir para uma federação. O problema é que os federalistas escasseiam. Pelo menos os federalistas assumidos (como foi Mário Soares). É pena que o centro-esquerda, petrificado por medos e complexos vários, não chame a si a causa de um federalismo progressivo e progressista, que assegure a genuína coesão dos países e a elevação do nível de vida de todos os europeus, preservando as autonomias nacionais.
Um outro notável poeta nascido no Porto, Vasco Graça Moura, falou-nos da Europa como “um território onde,/ entre as ruínas e algumas fidelidades contraditórias,/ a alma aporta e renasce para a aventura”. A Europa deve renascer para a aventura. Mas, para isso, precisa de aventureiros e de sonhadores, sejam eles poetas ou políticos.