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Olha, há ali um gabinete onde tu podes ir, viras à esquerda, segues e depois viras à direita. Há lá um gabinete com uma senhora baixinha, que não está lá agora, e tu podes tirar as coisas dela, vai lá rápido!
Foi a primeira indicação dada ao rapaz e a causa directa do furto. Logo a seguir, o rapaz entrava no gabinete do hospital e roubava duas carteiras e um telemóvel das funcionárias.
A segunda indicação é mais profunda, diz-nos como foi a sua vida até agora, se calhar para onde vai. Atravessa o tempo todo do rapaz. Esta indicação, no entanto, surgiu bastante confusa na boca dele.
- Eu morava com a minha avó e estava muito bem com ela, e também estou bem com a minha mãe, mas quando estou longe da minha avó eu sinto-me mal e eu ia a passar e aqueles dois disseram para eu ir lá, e....
- Eram seus amigos, completou a juíza.
- Não, não eram amigos. Eles estavam lá, não os conhecia, não lhes falo. Eu é que não sabia o que estava a fazer. Vou ser sincero.
O rapaz é muito magro e parece ter emagrecido porque se esquece de comer, tantas coisas o apoquentam. A voz é tremida, principalmente na confissão, que não é total. Foi visto a sair do gabinete, mas ele diz que há um erro no valor total em notas e moedas.
- Só lá havia 10 euros numa carteira e na outra não havia nada. Não tinha 30 euros, e não estou a mentir, estou a dizer a verdade.
- Diga-me lá: os 10 euros não teria sido a sua parte nisto? Até fazia sentido, dividir por três.
Ele responde que não. Nem sabe bem por que o fez. Lembra-se que, quando lhe disseram que tinha sido visto a roubar, deu tudo ao pai para este entregar as coisas na esquadra. Lentamente, o interrogatório desata a indicação profunda dos motivos.
- Para quê?
- Eu fiz... vou ser sincero... por maluqueira. Eu não estava bem.
- Mas não andava bem porquê? Consumia alguma substância, era toxicodependente?
- Não, não! Não consumo nada, nem fumo, nem bebo. Foi uma maluqueira que me deu, foi de me encherem a cabeça.
- E o que fez com os 10 euros?
- Comprei umas bolachas e também comprei um maço de tabaco, eu fumo é tabaco.
- Porque é que entregou as carteiras ao seu pai e não foi o senhor entregá-las à esquadra?
- Arrependi-me num instante... senti-me mal por fazer aquilo.
Vive com mãe, a irmã que está lá fora e o pai. Ajuda a mãe, dá-lhe metade do ordenado de pintor de construção civil. O pai é reformado desde os 18 anos. O advogado do rapaz vai directamente à “maluqueira que me deu”.
- Só uma questão. Na altura em que isto se passou, andava com problemas?
- Foi o desgosto de a minha avó ter morrido. Eu gostava muito da minha avó. Com ela, não me portava mal... agora com a minha mãe também não me porto mal, mas...
Última indicação: a avó.
Uma vez almocei com um amigo e pedi carapaus e ele pensou um pouco, na verdade ficou estranhamente concentrado, só para dizer isto ao empregado:
- Para mim, também pode ser carapaus.
No segundo carapau, aberto em silêncio, ele explicou que não comia carapaus há mais de dois anos porque a avó dele tinha morrido em casa, numa tarde pacífica, depois duns carapaus.
Avó que nos cria, duas camadas de mãe.
O autor escreve segundo a antiga ortografia