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Todo o Verão tenho pensado na sorte de Hugo, um dos mais tremendos casos de azar ao amor a que assisti. Mesmo agora estava a concluir que, em vários sentidos, não vi nada que se aproximasse, a não ser em comédias de ficção. Outra coisa a dizer sobre o Hugo é que ele parece achar graça trágica às suas desventuras. Sempre com um sorriso escavado na barba em pêra, aprumado num blaser preto, e só lhe desejo que um dia possa, não só encontrar o amor verdadeiro, como arranjar os dentes. Ele estava no tribunal no banco das testemunhas. A juíza perguntou-lhe se o facto de ter tido uma ligação amorosa com a acusada, não o impedia de dizer a verdade. Ele disse que não.
- Eu estava com ela e combinámos ir os dois, aliás, irmos os três, que ela estava também com outra amiga, ao Centro Comercial Colombo. Estávamos a falar. Então ela pega-me no telemóvel, diz que vai à casa de banho e desaparece. Ando a percorrer o Colombo todo, para trás e para a frente.
Eu e a amiga dela. Mas nunca mais a vi. Fui à polícia e fiz a participação da mesma.
Hugo falava então da sua namorada, com quem já estava há bastante tempo, ainda antes da pandemia da Covid.
- Lembra-se se era Inverno, se era Verão quando isto aconteceu?, perguntou a procuradora.
- Já foi há muito tempo, disse Hugo.
- Senhor Hugo, tem interesse em que este processo continue?
- Reaver os três telemóveis que ela me tirou, não os vou reaver...
- Quer pôr uma pedra sobre o assunto?
- Sim, disse Hugo.
Ouviram bem, a namorada do Hugo fanou-lhe três telemóveis e ele está a perdoar-lhe sem problemas. Apenas uma preocupação:
- Só uma pergunta: eu, se agora desistir, não vou pagar nada?
Ó Hugo, não, já perdeu três telemóveis, um deles de mais de mil euros, deixe lá isso. Claro que, quando Hugo saiu da sala, eu fui atrás dele. Tive cuidado para não o melindrar, mas ele ficou feliz de poder contar-me, contar-vos, porque eu lhe disse que isto ia parar à rádio, aos jornais, a sua má-sina do coração. Disse-me que tinha muito gosto em falar com um colega, porque também faz rádio. Não queria prejudicar o filho bebé da ex-namorada, que
entretanto engravidou nos Açores, de outro homem. Ela também lhe roubou um portátil. E disse uma que eu não esperava:
- Eu, por mim, tinha continuado com ela, mas um advogado que a conhece disse-me para não fazer isso... E para desistir da queixa. Sabe, tenho outro caso de violência doméstica...
Ao ouvir isto, como é bom de compreender, fiz silêncio. Então Hugo contou-me que teve também um caso com uma vizinha do prédio. Um dia ela ameaçou que lhe ia espetar uma faca.
- E ela era capaz disso! Eu cheguei a casa e escondi logo todas as facas da cozinha. E o que é que ela faz logo que chega a casa? Foi logo às facas!
- Mas ó Hugo, o que é que o Hugo lhe tinha feito?
- Foi uma brincadeira no Tik Tok. Eu faço figuração nas telenovelas da TVI e tirei uma fotografia com um actriz conhecida... hum... a Rita Pereira. E essa minha namorada viu o Tik Tok e diz “mas o que é isto, a darem um beijo?!” Mas não era beijo nenhum, era só um beijinho na cara, assim, porque a canção que estávamos a cantar era dá-me um beijinho, não tinha mal nenhum!”
Isto dos beijos e beijinhos, chochos e piquitos está na ordem do dia, em Espanha e cá e no Mundo, Hugo.
E como ele estava acabado de operar a um quisto do rabo, o que é que aconteceu? Como não encontrou as facas, ela deitou-o ao chão.
- E foi precisamente aí, na ferida, que ela me deu os pontapés... Agora tenho outra namorada.
- Ahhh... ai sim?
- Ainda nunca a vi. Mora a seis horas de distância.
Menos mal, menos mal, Hugo.
O autor escreve segundo a antiga ortografia