Corpo do artigo
Elisabete telefonou ao marido, para casa da mãe, e explicou:
- Venham-me buscar a Cascais. Fui raptada e violada!
José foi a correr a Cascais, não a viu e regressou a casa, só e vulnerável. Encontrou Elisabete na cama. Três dias antes, uma amiga de Elisabete vira-a entrar para o carro de Eugénio e, no dia seguinte, o marido fizera queixa à polícia. Conhecia vagamente Eugénio. Nunca gostara dele. Elisabete não apareceu, nem telefonou. A filha pequena do casal ficou cheia de medo e o pai disse que a mãe já voltava. Ao vê-la encolhida na cama, três dias depois, o marido jurou que o bandido tinha de ir preso e perguntou se ela estava preparada para a queixa. Elisabete tinha a cara molhada e lágrimas secas na sujidade. As paixões ferviam-lhe na barriga, é o que acontece quando a pior decisão da vida já não pode voltar atrás.
No Instituto de Medicina Legal de Lisboa, foi analisada por peritos médicos: “o exsudado vaginal revelou a presença de espermatozóides compatível com uma relação sexual com ejaculação intravaginal nas 48 horas que antecederam a observação”. No vestuário: “Detectaram-se vestígios de sangue e de esperma”. Na Polícia Judiciária, ela disse que tinha sido forçada várias vezes a manter relações sexuais.
Eugénio estava em casa, e em dificuldades, a essa mesma hora. A mulher zangara-se por ele ter desaparecido. O patrão despedira-o da pastelaria. Quando a polícia chegou, Eugénio ficou ainda a saber que era autor da violação sistemática de Elisabete, coisa que muito o admirou.
- Eu ainda pensei fugir com ela, gostava dela, mas sou um homem casado e aquela relação não ia longe, disse Eugénio no tribunal.
Levou um fato amarelo e tinha tanto ouro nos braços que parecia levar guizos. Grisalho dos lados e careca no resto. Tinha a voz magoada e, para o que conta, era um inocente. Elisabete é que era a arguida, acusada de denúncia caluniosa. Ela foi com ele porque quis.
À Judiciária, Elisabete confessara que andaram todo o tempo por Monsanto, fazendo amor. Andavam e dormiam no carro, à sombra dos pinheiros-mansos do parque. Uma vez, telefonou à mãe a perguntar pela filha pequenina e disse que “a sua cabeça e o seu coração queriam estar em casa com a família, mas o seu corpo queria estar com o Eugénio.” Com a mesma roupa, comiam “à base de batatas fritas e comida de café”.
- Coisas de miúdos apaixonados, disse ela, magra como aletria.
Mas no quinto dia (perdeu a noção do tempo, foram só três) veio-lhe a menstruação e ficou toda suja.
- Não tinha roupa para me trocar.
Foi por isso que voltou. As manchas de sangue na roupa eram disso. Inventou o rapto e a violação porque gostava do marido. Não o queria magoar. O romance com Eugénio
- Foi uma estupidez, concluiu.
Elisabete pensara que o que disse à Judiciária encerrava o problema, pedira sigilo. No tribunal, voltou a dizer que tinha sido violada, cada vez mais enervada, mentirosa a um ponto deprimente. Mas o marido endireitou os óculos e reafirmou que acreditava nela. Pagou multa por, indevidamente, ter posto a trabalhar a “máquina da Justiça”. A miúda, agora com sete anos, assistiu a tudo. Elisabete e José saíram com a filha no meio dos dois, batia os sapatinhos no mármore. Apesar de tudo, no átrio do tribunal, seguia uma família que lutara pelo mesmo.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)