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É legítimo o descontentamento dos bombeiros sapadores com a falta de atratividade da carreira, como é justíssima a crítica ao desinteresse de sucessivos governos por este setor, que se perde numa amálgama de estruturas, modelos organizacionais e entidades patronais. Essa razão fica, contudo, irremediavelmente comprometida quando se opta por protestos “inorgânicos” (como ontem tantos manifestantes se esforçaram por classificar) que incluem rebentamento de petardos, tochas lançadas contra um edifício que alberga serviços do Estado e desrespeito por ordens da PSP.
Aparentemente, a força dos 300 a 400 bombeiros que romperam o cordão policial, num protesto ilegal convocado em grupos de WhatsApp, surpreendeu os próprios sindicatos. O padrão não é novo: incapazes de obterem na mesa das negociações resposta para as reivindicações da classe, os sindicatos acabam ultrapassados por quem, em surdina, capitaliza a raiva e a canaliza para formas agressivas de luta.
Mais do que identificar participantes na manifestação, como a PSP comunicou estar a fazer, importa averiguar a quem servem estes movimentos ditos inorgânicos e analisar alguns padrões que se vão instalando. Dos excessos de linguagem aos momentos de indignado recurso ao hino nacional, toda a coreografia faz lembrar demasiado outros incidentes que temos visto nas ruas. Da mesma forma que soa a frase batida ouvirmos um sindicalista pedir “a mesma celeridade que os políticos demonstraram no descongelamento dos seus próprios cargos”.
A manifestação dos sapadores foi mais um exemplo do terreno movediço a que nos conduz a normalização da demagogia e de uma certa forma de contestar o sistema. Quando ignoramos as regras da democracia e, invocando-a, pisamos a lei para a subverter, saímos todos a perder. Incluindo causas justas que se deixam aprisionar por interesses pouco claros, cujas sombras importa averiguar. Porque são políticas, por muito que tentem parecer espontâneas.