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Dez anos é muito tempo, diz a velha canção, muitos dias, muitas horas a adiar o julgamento e a brincar connosco, José Sócrates Pinto de Sousa. Se vossa desexcelência decidiu tomar para si o nome de um sábio honesto e antigo, conspurcando a ideia da busca permanente da verdade, ó vigarista, ó traidor da República, ó usurpador da democracia, apetece chamar ao presente um tribuno antigo, regressando ao senado romano no ano 63 antes de Cristo:
- Ó senhor Cícero, por favor...
- Quem me chama?
- Falo-lhe do futuro e do cansado povo português... Seria possível transformar a sua Catilinária contra o conspirador Catilina em, sei lá, um discurso sobre Sócrates, oh, desculpe não se trata desse grego extraordinário, mas do nosso e ordinário José Sócrates...
- Eh pá, há limites, não me metam em tais relices.
- Mas o homem está a usar há anos e anos as armadilhas e os buracos legais criados por ele e por outros políticos corruptos para não serem julgado pelos crimes de enriquecimento ilícito, etc. e ganharem por prescrição e cansaço.
- Isso parece Roma. Bom, é a Lusitânia, está certo. Nem se governará, nem se deixará governar.
- Ahhh... Sim, mas este nosso Pinto de Sousa traiu o seu povo, os amigos que nele confiaram… não falo dos amiguinhos ricos com quem trocava dinheiros e favores… até o pai da nossa República Democrática, Mário Soares, caiu nas suas patranhas e, no fim da vida - Soares faria este ano cem anos - fez figuras tristes a defender publicamente este vigarista, este animal feroz da dissimulação. Diz que é inocente, que é uma narrativa para o barrar para presidente da nossa República, o pavãozinho. Cícero, ajude-nos...
- Ok. Hum, hum, cá vai: “Quanto tempo mais, José Sócrates, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo a tua loucura há-de zombar de nós, a que extremos se há-de precipitar a tua desenfreada audácia?”. Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste durante os teus tempos de governação, os negócios ilícitos com o Grupo Lena, as casas de luxo em Paris e na Rua Castilho, os envelopes cheios de dinheiro, as figurinhas de novo rico espertalhaço onde quer que fosses?
- Eh pá, Cícero, está muito bem informado.
- Todo o Império sabe. E sou advogado, chama-se a isto memória futura.
- Está certo, obrigado, grande Marco Túlio Cícero.
- Boa sorte, justiça portuguesa armadilhada a favor dos ricos, boa sorte, Lusitânia.
Agora uma pausa de respiração depois duma pausa narrativa e de estilo nestas crónicas de tribunal. É que passei noites atormentado por uma febrinha insidiosa num pesado sono, resultado da dupla vacina covid e gripe que tomei no centro de saúde, que é uma coisa que, ao que parece, ainda funciona neste país e com o desastrado Ministério da Saúde que nos calhou. Em breve estarei bom, maior e vacinado, pronto para o Inverno e para nova saga de julgamentos verdadeiros que acompanho há décadas em Levante-se o Réu. Quantos milhares de pessoas vi eu serem julgadas, estive lá para contar? E estou quase confiante de que, depois do tribunal da Relação de Lisboa se ter recusado a analisar mais um recurso da defesa de José Sócrates, mais um numa lista de artimanhas dilatórias que dariam para várias viagens de ida e volta à Lua se colássemos as folhas umas às outras, que num dia de sol José Sócrates pagará as multas (dinheiro não lhe falta, pelos vistos), será julgado, poderá defender-se como um homenzinho, e eu estarei lá para ver.
O tempora, o mores!, Oh tempos, oh costumes!
*O autor escreve segundo a antiga ortografia