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A s dores fortíssimas durante a menstruação e o facto de urinar com sangue colocaram Ana Cristina Chaves, aos 27 anos, num bloco operatório com o diagnóstico de cancro na bexiga, depois de ser consultada por ginecologistas e urologistas. Devido a uma troca de nome nas fichas de admissão da clínica, os médicos não apareceram no dia marcado. Revoltada, pesquisou na Internet e voou para Londres ao encontro de uma solução. Foi então que soube o diagnóstico endometriose. Porque "não fazia sentido que outras mulheres passassem pelo mesmo", decidiu criar a Associação Portuguesa de Endometriose (Aspoendo), que fez sábado dois anos.
A endometriose caracteriza-se pelo crescimento do tecido do revestimento interno uterino (endométrio) fora do útero, podendo alojar-se noutros órgãos, como os ovários, intestinos e bexiga. Com a ovulação, este tecido inflama e causa dor. Se a inflamação é persistente, origina aderências que bloqueiam as trompas, contribuindo para a infertilidade da mulher. Nos ovários pode haver formação de quistos.
Diagnóstico demora anos
"Existimos para falar da doença", porque mesmo entre médicos há muito desconhecimento, explica a presidente da Aspoendo. "Há mitos que persistem - tenha um filho que isso passa, tome um analgésico".
O diagnóstico correcto demora em média cerca de oito anos. António Setúbal, médico especialista em endometriose, salienta que "há uma componente cultural que associa a mulher à dor menstrual" e "uma conexão muito forte da doença à infertilidade", com colegas seus de profissão a considerarem que a terapêutica a adoptar é a mesma. "A relação entre endometriose e infertilidade só acontece numa fase avançada", esclarece. "Endometriose é dor. Pode ser ou não infertilidade", sublinha Ana Cristina Chaves.
Adormecer a dor
Esta é uma doença crónica, "com comportamento idêntico ao do cancro, ao alastrar-se a outros órgãos". A cirurgia por laparoscopia permite confirmar o diagnóstico e remover todo o tecido endometrial que está fora do útero. O tratamento, segundo António Setúbal, passa por "drogas que adormecem a dor. A pílula é a mais barata e mais eficaz para inibir a ovulação e a evolução da doença". Só em casos mais severos há remoção do aparelho reprodutor.
As causas não se conhecem, mas terá base genética. "O impacto social grande, devido à dor, à perda de qualidade de vida das mulheres e ao absentismo no trabalho", levou o Parlamento Europeu a emitir uma moratória, em 2004, para sensibilizar os Estados-membros.
Afecta 700 mil portuguesas
A doença afecta 15 por cento das mulheres em idade reprodutiva. Não há números oficiais, mas a Aspoendo estima que sejam 700 mil as portuguesas com endometriose, com base no Censos de 2001. "Portugal é o único país da Europa que não tem um estudo", lamenta Ana Cristina Chaves. Para colmatar esta lacuna, a associação decidiu fazer um inquérito, que ficará concluído este mês. À sede, em Lisboa, chegam mulheres com dúvidas, a pedir contactos médicos, a precisar de desabafar com quem conheça a dor que sentem.
Passaram dez anos desde que Ana Cristina Chaves soube o diagnóstico. Em um mês foi operada no hospital londrino onde apresentou um relatório feito por si sobre o que sentia. "Há dois anos fiz uma histerectomia (remoção do útero). Tenho um ovário, tenho a doença". Faz parte do grupo de 20 a 40 por cento das mulheres com endometriose que são inférteis.