Onze de Setembro de 1985. Fim de tarde. Duarte Correia tinha apanhado o Sud-Express, com destino a Paris, na estação da Linha da Beira Alta em Nelas. Dois minutos depois, em Alcafache, a composição chocou com o Regional que seguia para Coimbra. Muitos passageiros, sobretudo emigrantes, morreram carbonizados. Ainda hoje, 25 anos depois, não se sabe quantos.
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"Ainda não tinha acabado de cumprimentar o casal que ia ao meu lado, quando ouvi um violento estrondo e fui projectado. Andei aos trambolhões. Levei com tudo em cima. Só se ouviam gritos e apelos de socorro à minha volta", recorda o ex-emigrante, natural de Folhadal, Nelas, hoje com 62 anos de idade.
Embora atordoado, Duarte Correia, então emigrante na Alemanha, recuperou energias quando o incêndio, que já lavrava no corredor da carruagem, tombada no talude da linha, entrou na sua cabina.
"Estiquei-me quanto pude e consegui abrir a janela. Saltei com o fogo atrás de mim. Já cá fora, ajudei o jovem casal a sair. Agradeceram-me", recorda, ainda angustiado, um dos sobreviventes do que é considerado o maior acidente ferroviário no país.
Presença assídua nas cerimónias religiosas que todos os anos evocam o 11 de Setembro português, junto ao memorial da tragédia, Duarte Correia voltará hoje a Alcafache com o coração apertado. "É uma questão de solidariedade para com as famílias de tantos que ali ficaram sepultados. Gente que vi a arder dentro das carruagens dos dois comboios. Mas não me sinto bem", desabafa.
O ex-emigrante era um dos cerca de 300 passageiros que seguiam no Sud-Express para Paris, de onde seguiria para a Alemanha. O acidente marcou-o.
"Saltei da carruagem em chamas e andei à deriva. Ajudei quem pude, e como pude. Mas há imagens que ainda hoje me deixam doente. É o caso daquele amigo, de Campo de Besteiros, que estava a arder. Já não tinha cabelo nem orelhas. Foi para Lisboa no "heli" do Presidente da República, Ramalho Eanes. Ou aquela senhora que escapou ao inferno e depois morreu, carbonizada, quando voltou atrás para ir buscar os óculos."