Longe dos anos dourados das décadas de 70, 80 e 90, zona acabou preterida pela renovada e turística área central da cidade. Investimentos como as novas linhas de metro, metrobus e El Corte Inglés darão novo ânimo a comerciantes.
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Durante décadas, numa altura em que a Baixa estava envelhecida e degradada, a Boavista foi o centro do Porto. Ali tudo acontecia, a modernidade, o setor empresarial e cultural, a movida. Uma pujança que foi esmorecendo nos últimos anos, com a requalificação urbana e o turismo a puxar os holofotes para as zonas antigas da Ribeira, Sé, Aliados e Clérigos.
Os projetos agora anunciados de construção das linhas Rubi e Rosa, esta última já no terreno, o metrobus, a chegada de um armazém da cadeia espanhola El Corte Inglés fazem a Boavista sonhar em ser de novo central e rivalizar com a Baixa.
Na Rotunda da Boavista, oficialmente denominada Praça de Mouzinho de Albuquerque, Júlio Albano encosta-se ao táxi à espera que a postura avance. "Esta zona precisa que sejam criados mais pontos de interesse para que haja mais movimento de pessoas", diz, olhando para a fachada do Centro Comercial Brasília. "Foi isto que, há mais de 40 anos, fez com que a Boavista fosse o que foi naqueles anos", acrescenta.
Moderna centralidade
O centro comercial abriu portas no dia 9 de outubro de 1976. Na altura, a Boavista já apresentava sinais de se querer afirmar como uma nova e moderna centralidade da cidade. Tinha uma estação de comboios e sobretudo desde a inauguração da Ponte da Arrábida (1963) ganhou uma maior movimentação.
Também é na sequência do Plano Diretor da Cidade (1962), de Robert Auzelle, que se projetam áreas residenciais e se promove a instalação do setor terciário. O crescimento passa a ser evidente em volta do Estádio do Bessa e a construção do Complexo Residencial da Boavista (também conhecido por Foco ou Graham), entre 1962 e 1973, seria a alavanca do que viria a acontecer a seguir.
Brasília entra em obras
"Vinha gente de toda a região para andar nas escadas rolantes e vendia-se muito. Os corredores andavam sempre cheios de gente", relembra Cristina Lima que abriu a sua loja de pronto a vestir Kalinka poucos anos depois da inauguração do Brasília. "Tudo passou a ser diferente e o movimento de pessoas era infernal tanto durante o dia como à noite", relembra Júlio Albano, que é taxista há 48 anos.
Decadente e datado, o shopping , cuja "rapariguinha" ficou imortalizada na canção de Rui Veloso, vai entrar agora em obras de remodelação. "Mas só isso não chega, é preciso atrair a animação noturna como noutros tempos", diz Carlos Sousa, o mais antigo funcionário do café Orfeu, a funcionar na Rua de Júlio Dinis há 60 anos. Os centros e as galerias comerciais passaram a fazer parte do quotidiano social e cultural da década de 80 e início da de 90. Carlos recorda as noites animadas no Swing, no Griffon"s, no Dom Giovanni, no Dom Quixote ou na Glassy.
Na avenida, uma torre albergava o Dallas e lá dentro as festas eram animadas no Lux, no LáLáLá, no Splash, no Coqueiro e no Penha Club. "A animação noturna passou depois para a zona industrial e agora é na Baixa que tudo acontece", refere o empregado do Orfeu.
A abertura na Senhora da Hora (Matosinhos) do NorteShopping, em 1998, foi a machadada nos já debilitados centros e galerias comerciais da Boavista: Brasília, Dallas, Parque Itália, Península e Bom Sucesso. E nem a construção da Casa da Música e a transformação do velho mercado de frescos numa enorme praça da alimentação travaram esta tendência de declínio.
Milhões de passageiros
"A Boavista não deixou, contudo, de ser um dos locais mais nobres da cidade e a continuar a ser procurada para se viver e trabalhar", refere Adriana Freitas, consultora imobiliária da Remax Latina Boavista. O preço por metro quadrado está nos 3700 euros, o que a torna numa das mais caras zonas do Porto. O preço dos escritórios ronda os 150 mil euros e, por exemplo, um T2 nunca fica menos de 400 mil euros.
Na rotunda, no início da Avenida da França, a velha estação aguarda pela demolição. Entrou ao serviço em 1 de outubro de 1875, é a gare mais antiga da cidade, mas os comboios há muito deixaram de passar por ali. Agora é a construção da estação e das ligações subterrâneas da Linha Rosa que domina as atenções. Quando estiver concluída, em finais de 2023, será a via direta da Boavista à Baixa, prevendo-se um acréscimo de procura estimado em mais de 30 milhões de passageiros/ano.
No segundo semestre do próximo ano arrancará ainda a Linha Rubi, que ligará a Casa da Música a Santo Ovídio, em Gaia, traçado onde circularão 11,4 milhões de pessoas por ano. Já o metrobus irá operar entre a Casa da Música e a rotunda da Anémona, em Matosinhos. Este BRT (Bus Rapid Transit) terá ainda ligação à Praça do Império.
O efeito El Corte Inglés
A Associação dos Comerciantes do Porto mostra-se expectante em relação ao impacto que todas estas alterações terão no tecido comercial tradicional. "Este terreno é fértil para os negócios. Basta ver o que era isto antes da construção do mercado, inaugurado em 1952, e o que é agora. Eram só campos agrícolas!", relembra Antero Pinto, um dos sócios-gerentes da mercearia Pérola do Bom Sucesso, onde trabalha há 60 anos.
Por aqui não se teme a concorrência do há muito anunciado El Corte Inglés cuja construção será nos antigos terrenos ferroviários.
Desde há dois meses que tem luz verde para avançar, embora os trabalhos só comecem quando a Linha Rosa do metro estiver concluída. Essa pretensão da cadeia de retalho espanhola chegou a ser chumbada pela Câmara do Porto, mas a empresa soube salvaguardar o negócio com o contrato de direito de superfície celebrado há anos com a Refer. "Tenho algumas dúvidas se todos estes projetos trarão benefícios. O El Corte Inglés pode chamar mais gente, mas as linhas de metro serão apenas de entrada e saída de pessoas", considera Carlos Sousa.
Antero Pinto, que assistiu, durante décadas, às inúmeras alterações, tem opinião diferente e tem a certeza que "a Boavista vai voltar a encher-se de visitantes".
"Durante o dia ainda circulam pessoas a pé, mas à noite esta zona morre por completo", afirma o proprietário da mercearia, para quem estes investimentos poderão funcionar como polo de atração a muitos outros projetos.