Funcionário do hospital foi à rua onde morava Fátima, em Reguenga, procurar porta à porta quem pudesse saber das cadelas da idosa.
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Mais do que viver só, Fátima era uma mulher sozinha. Aos 70 anos, vivia recatada numa pequena casa na Reguenga, Santo Tirso, com as sete cadelas a que se dedicava com desvelo e que vão, agora, ficar sem lar, depois de a idosa ter morrido nas vésperas do Natal. Os vizinhos estão à procura de adotantes para os bichos, que não têm pretendentes por serem seniores.
Fátima fora hospitalizada com covid, no final de novembro, sem que alguém soubesse, deixando os animais na habitação. "Ninguém se tinha apercebido de que a senhora não estava em casa. Acho que foi [para o hospital] e pensou que voltava", presume Marisa Ferreira, vizinha a quem a idosa acabaria por confiar o cuidado dos animais, ao fim de uma semana de internamento com "uma pneumonia bilateral já muito avançada".
"Pediu a um profissional do hospital que viesse avisar-me que as cadelas estavam sozinhas em casa. Andou de porta em porta a perguntar quem era a Marisa que tem muitos cães. Fiquei chocada, porque não tinha confiança com a senhora e, no auge do desespero, ela lembrou-se de mim, e não de um familiar ou de amigos, para cuidar das meninas.... A pessoa que cá veio disse que, enquanto a senhora conseguiu falar, só falava nas cadelas e na Marisa, e que era aflitivo ver o desespero dela", comove-se a vizinha de Fátima, que desde então alimenta os animais e é grata pelo gesto do profissional, que atendeu o pedido desesperado da idosa.
Retrato de uma vida solitária
"A senhora teve um fim muito triste, mas, agora, temos a oportunidade de dar um final feliz às meninas, como era a vontade dela. É uma situação de caridade. A solução mais fácil seria deixá-las no canil, mas isso não é o ideal para cães seniores", observa Bleu Marine, vizinha que também tem ajudado a cuidar e a divulgar os animais, para adoção.
"Já vieram cá quase 10 pessoas, mas, quando digo a idade delas, já não as querem", lamenta Marisa, que procura adotantes responsáveis para as seis cadelas de porte pequeno - a pastor alemão já encontrou família - através da página pessoal de Facebook, onde publica fotos de cada uma.
"Queremos que sejam pessoas capazes de lhes dar amor, conforto e qualidade de vida. Elas perderam a dona, e vão ter de deixar esta segunda-feira a casa onde sempre viveram. Nesta idade, não precisam de passar mais trabalhos", lembra Marisa Ferreira. As cadelas já foram observadas pelo veterinário municipal, que disse que está tudo bem com elas e vai colocar um chip e castrá-las gratuitamente.
"Este é o retrato de uma vida solitária, vítima de uma pandemia e com consequências também para as meninas, que são vítimas da sociedade por serem discriminadas pela idade", lastima Bleu Marine.