A Câmara do Porto ignorou, em 2015, o "parecer desfavorável" da Direção Regional de Cultura à construção na escarpa da Arrábida, por considerar que a ausência de Zona Especial de Proteção (ZEP) da ponte da Arrábida dispensava a consulta.
Corpo do artigo
O processo camarário sobre o projeto que está a ser investigado pelo Ministério Público, a que a Lusa teve acesso esta quarta-feira, indica não ser "aplicável a consulta à Direção Regional de Cultura do Norte (DRCN)", por vigorar em relação àquele Monumento Nacional "uma zona geral de proteção de 50 metros", fora da qual está "o edifício proposto", devido à inexistência da ZEP que o decreto de classificação de 2013 remetia para uma portaria nunca publicada.
Em 2012, a ponte tinha "uma ZEP bastante vasta que incluía o prédio", acrescenta o documento da Direção Municipal do Urbanismo da autarquia em novembro de 2015, a propósito do chumbo dado um mês antes pela DRCN ao "volume, cércea e proximidade ao Monumento" da construção.
A Ponte da Arrábida, Monumento Nacional desde junho de 2013, está sem a ZEP prevista na lei para condicionar intervenções urbanísticas, tendo a Direção Geral de Património Cultura (DGPC) "devolvido" o processo à DRCN em novembro daquele ano.
Questionada pela Lusa, a DGPC informou que a ZEP vai ser analisada pelo Conselho Nacional de Cultura, sem explicar o motivo pelo qual o Monumento esteve cerca de cinco anos sem aquele mecanismo previsto na lei.
Em 2015, a Direção Municipal do Urbanismo da autarquia explica, no processo camarário, que a promotora da obra "veio contestar a necessidade de emissão de parecer da DRCN", porque a empreitada "não está abrangida pela ZEP".
"Não existindo em vigor qualquer ZEP à Ponte, apenas existindo uma zona geral de proteção de 50 metros e encontrando-se o edifício proposto fora desse limite, não é aplicável a consulta à DRCN", conclui o ofício.
O parecer da DRCN diz não ser "aceitável a proposta de edificabilidade prevista no PIP (Pedido de Informação Prévia)" para "a construção de raiz de um edifício com nove pisos acima do solo e dois abaixo da cota da soleira".
Segundo a DRCN, aquele PIP articula-se "com outro que decorre em processo distinto" e "contempla características arquitetónicas e urbanísticas idênticas".
A DRCN alertou tratar-se de uma "construção cujo volume e cércea, aliados à sua proximidade ao Monumento Nacional, constitui um elemento que interfere negativamente com o atual enquadramento do mesmo".
Segundo informações dadas a 23 de fevereiro à Lusa pela imobiliária, a obra atualmente em curso diz respeito "a um prédio com seis pisos", a que, mais tarde, se deve juntar "outro com 16 andares", estando em causa 38 e 43 fogos, respetivamente.
A Câmara do Porto revelou a 22 de fevereiro que a obra iniciada na escarpa junto à ponte da Arrábida, numa zona de "proteção de recursos naturais", teve o projeto urbanístico licenciado em 2016 "devido a direitos adquiridos" desde 2000.
Questionada pela Lusa, a Câmara do Porto afirma que já "deu já todos os esclarecimentos necessários não querendo pronunciar-se sobre a tomada de decisões de decisores que já não se encontram em funções".
A 11 de abril, questionada sobre se não devia ter-se pronunciado no processo em curso de delimitação da ZEP, a autarquia disse, através do gabinete de comunicação, que "à Câmara do Porto não pode ser assacada nenhuma responsabilidade na delimitação da ZEP".
"Primeiro porque a delimitação da ZEP é realizada através da publicação de uma portaria que a Câmara Municipal do Porto não tem competência para publicar. A responsabilidade da delimitação é, exclusiva, da DGPC", indicou.
"Em 2012, o município do Porto foi convidado a pronunciar-se sobre a classificação do imóvel e pronunciou-se como se demonstra em anexo. Caberia à DGPC recolher pareceres e publicar a portaria delimitando a ZEP com a publicação da classificação ou nos 18 meses seguintes", acrescentou.
A autarquia diz que "em março de 2017, na sequência de novo pedido sobre o mesmo assunto, respondeu prontamente, pedindo mais informação e requerendo mesmo uma reunião" à DRCN.
"Não recebeu a Câmara do Porto nenhuma comunicação posterior nem foi marcada qualquer reunião. A DGPC decidiu também não publicar qualquer portaria", observou o gabinete.
