Desempregados, reformados, donas de casas e estudantes inscrevem-se nas formações de camisolas poveiras, que arrancaram neste mês. Já há filas de espera.
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Maria Helena Eusébio vê nas camisolas poveiras uma possível "oportunidade de negócio". Conceição Capellimi "uma bela forma de ocupar o tempo", juntar as amigas e aprender mais sobre as tradições da sua terra. E há quem encontre na peça tradicional uma forma de tentar contornar o desemprego. A formação da camisola poveira já começou. Dois meses depois, o caso "Tory Burch" não só fez disparar as vendas, como gerou filas nas inscrições para quem quer aprender. São já 90 pessoas. É o lado bom de uma polémica que uniu a Póvoa de Varzim e trouxe ao de cima a "raça" de uma terra de bravos homens do mar.
"Sei fazer malha, mas camisolas poveiras nunca fiz. Era escriturária. Estou desempregada há três anos. Pode ser uma oportunidade de negócio", atira Maria Helena. Poveira "de gema", amante confessa das suas tradições, é filha de pai açoriano e tem família do outro lado do Atlântico. "Todos me ligaram a querer saber!", sorri, orgulhosa. Agora, que "a poeira assentou", decidiu inscrever-se no curso do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). No final das 300 horas, vai poder tirar a carta de artesã e quem sabe se fazer camisolas poveiras não será o seu "novo emprego".
Ao mesmo tempo, e para quem não está inscrito no IEFP - sejam reformados, estudantes ou donas de casa -, a Câmara arranjou outra solução: uma formação para ocupação de tempos livres, dada pelo Grupo dos Amigos do Museu. As duas decorrem no novo Centro Interpretativo da Camisola Poveira, na central de camionagem.
A força da Póvoa
Conceição veio com um grupo de amigas, todas reformadas. Havia fila para inscrição, mas não se importaram de esperar. "Nem a Póvoa sabia desta força", comenta. Saiu do concelho aos 10 anos para ir morar no Brasil. Regressou há seis anos e agora decidiu aprender a arte "de que, nos últimos tempos, todo o mundo fala".
Ana Maria Baptista admite que "a polémica com a americana" lhe despertou o interesse e Leontina Madureira, que aprendeu a malha, mas ainda não sabe bordar, quer agora "fazer a camisola completa". Não será um negócio, que 50 euros por 50 horas "não pagam o trabalho", mas vai dar para fazer prendinhas para filhos e netos.
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A camisola poveira, tricotada em lã da serra da Estrela e bordada a ponto de cruz, tem mais de 150 anos e é o símbolo maior da bravura do pescador poveiro, mas há muito que quase ninguém a usa e muito poucos a fazem. A estilista Tory Burch copiou-a e pô-la à venda como sua por 695 euros. A Póvoa gritou bem alto. "Teve o condão de nos unir. Os poveiros estão cada vez mais unidos para defender as suas raízes, elevar a sua história, levar as suas tradições mais longe e fazer com que as novas gerações as interiorizem e respeitem", admite o presidente da Câmara. Aires Pereira quer, agora, "mais gente a aprender" e vai aproveitar "o embalo" para a internacionalização.
Com a polémica, a velhinha camisola foi notícia em todo o Mundo e os pedidos - mais de 300 - não tardaram. Está à venda no marketplace poveiro "É bom comprar aqui!", por preços entre os 80 e os 100 euros.
Processo judicial está nas mãos do Governo
O processo judicial contra a Tory Burch está a ser preparado pelo Ministério da Cultura. A estilista integrou uma camisola poveira na sua coleção primavera/verão 2021. Dizia ser uma "criação original", inspirada na baja mexicana, mas a lã, os bordados a ponto de cruz vermelho e preto, os "tremidinhos" no decote, os "castelinhos" nos punhos e cós, os motivos da pesca e a coroa da monarquia portuguesa não deixavam dúvidas. O caso chegou à Junta da Póvoa e o presidente Ricardo Silva - que há muito preparava a sua certificação - levantou a voz. A polémica instalou-se. O Ministério ofereceu ajuda para processar a estilista milionária e "defender o que é nosso". Aires Pereira aguarda serenamente, até porque a mais-valia da polémica já ninguém lha tira.