Negócio é controlado por operadores espanhóis e é feito sem fiscalização por parte das autoridades portuguesas.
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A "matança" de 540 animais na Herdade Torre Bela, na Azambuja, veio colocar a nu a alegada falta de fiscalização deste tipo de atividades em Portugal e revelar um negócio que é conhecido há algum tempo no setor, mas que continua sem regulamentação e à mercê do monopólio dos operadores espanhóis: a venda da carne da caça maior.
Segundo apurou o JN, os animais mortos pelos 16 caçadores que participaram na polémica montaria terá rendido um total de cerca de 32 toneladas de carne, que aos preços atuais do mercado para este tipo de situações resultou num encaixe financeiro de mais de 30 mil euros para a empresa "Monteros de la Cabra", a entidade organizadora do evento.
"Essa organização já é conhecida em Portugal pelas infrações e devia ser proibida de operar no nosso país. A grande preocupação deles é fazer carne, e isso não tem nada que ver com caça", afirmou Artur Torres Pereira, presidente da Associação Nacional de Caça Maior, lamentando "a falta de controlo" que reina no setor.
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De acordo com Artur Torres Pereira, na maior parte dos casos, os operadores espanhóis têm a logística montada para limpar as peças de caça e levar as carcaças para Espanha, onde são certificadas pelas entidades veterinárias e colocadas no circuito comercial. E tudo parece ser feito à margem das autoridades portuguesas.
As zonas de caça turística, como a da Herdade Torre Bela, apenas são obrigadas a comunicar ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) o número de espécies abatidas no final do ano, mas isso "é tudo uma fachada", porque a posteriori "ninguém tem capacidade de ver se é verdade ou mentira", criticou o dirigente associativo.
Para Artur Torres Pereira, o que se passou na Azambuja foi "uma falta de respeito pelos animais, pelo território e pelo ecossistema" e revela, mais uma vez, "a falta de meios humanos e de recursos financeiros no ICNF" para o setor da caça.
Jacinto Amaro, da Federação Portuguesa de Caça (FENCAÇA), é da mesma opinião. "O ICNF está sem meios para fiscalizar, formar e investigar" e, neste momento, a quase totalidade da caça maior "vai toda para Espanha", sem criar valor em Portugal. "Os espanhóis estão em todas as montarias, à espera para desmanchar [os animais] e compram ao preço que querem porque não há concorrência. Isso é que o ministro devia ver", sublinhou.
Estudo ambiental suspenso
O ministro do Ambiente admitiu ontem que "uma parte muito significativa, ou mesmo todos [os animais mortos na montaria], foram levados para Espanha. João Pedro Matos Fernandes adiantou ainda que deu ordens para a revogação imediata da licença de caça da quinta da Azambuja e confirmou que o ICNF esteve ontem no terreno a recolher elementos que levem à identificação dos promotores e participantes da montaria, para posterior participação ao Ministério Público. Entretanto, ordenou uma inspeção a todas as zonas de caça turística (cerca de 1500).
O governante refutou também uma eventual relação entre este "ato vil" e a construção de uma central fotovoltaica naquele local, um empreendimento orçado em 170 milhões de euros, cujo Estudo de Impacto Ambiental estava na fase de consulta pública e também foi suspenso.
"Depois de falar com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), decidi suspender a avaliação de impacte ambiental. O licenciamento está dependente do estudo de impacte ambiental. O estudo anterior está desatualizado, a situação alterou-se", realçou o governante à "SIC Notícias". Matos Fernandes adiantou que deu "30 dias à APA para que faça as averiguações necessárias para que dessas averiguações possa resultar uma reformulação deste estudo ou um aditamento do mesmo".
O JN tentou obter um comentário da empresa proprietária da herdade, mas sem sucesso.
Mudança legislativa
O facto das caçadas e montarias não terem de ser comunicadas ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas é "um erro" que deve ser corrigido, através de uma mudança legislativa, admitiu ontem o ministro do Ambiente.
Penas de prisão
Se vier a provar-se que houve violação das regras, os participantes na montaria da Azambuja podem incorrer em penas de prisão até seis meses.
Empresas demarcam-se da "matança"
As empresas promotoras dos parques de energia solar fotovoltaica projetados para a Herdade da Torre Bela, na Azambuja, distrito de Lisboa, asseguraram ontem que "não estão de nenhuma forma relacionadas" com o abate de 540 animais. A implementação destes projetos "está condicionada à obtenção de todas as licenças necessárias por parte das autoridades e entidades competentes, que estão a par dos detalhes dos referidos projetos, estando a ser cumpridos todos os trâmites legais e processuais normais e exigíveis para o efeito", garantiram a Aura Power Rio Maior, S.A. e a CSRTB Unipessoal, Lda, em comunicado.