Artistas interagem com passageiros e animam as viagens. Movimento cultural está a crescer.
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Será certamente um acaso se, ao atravessar as ruas do Porto, não encontrar pelo menos um músico. O fenómeno já se tornou uma marca da cidade, mas agora o conceito foi mais longe e entrou nos carris. Chamam-se "artistas de metro" e têm um único objetivo: partilhar o seu talento com o público que já não parava para os ver nas ruas.
Os veículos do metro são "como um palco de experiência e desenvolvimento para novos artistas à procura de oportunidades". Quem o diz é Giovanni Trecco, 27 anos, que começou a levar o seu cavaquinho brasileiro para as carruagens de S. Paulo, no país natal, em 2017, inspirado por amigos. Três anos depois, trouxe o conceito para o Porto, quando se mudou para a cidade.
O brasileiro reconhece que "fazer arte num transporte público não é o sonho de ninguém". Mas é um dos vários caminhos possíveis "para quem está a dar os primeiros passos".
E é no metro que Giovanni abre o coração a centenas de pessoas e tenta captar a atenção dos passageiros, muitos deles a tentar distrair-se a ouvir música ou a ler: "Ficamos à espera de um sorriso, de um olhar, uma gorjeta, mas acima de tudo que as pessoas estejam presentes naquele momento".
Depois de entrar na carruagem, Giovanni espera sempre uns minutos "para ver como está o ambiente". Quando começa a preparar o seu equipamento, a curiosidade cresce, patente no olhar atento dos passageiros.
O facto de as ruas estarem repletas de músicos leva os novos artistas a procurar outros locais. Mas não é só isso que motiva quem leva a arte às composições, explica Giovanni: "Na rua, as pessoas estão de passagem. Os turistas param, mas não têm um assento. Ao fim de uma música vão embora. No metro, as pessoas estão ali e acabam por interagir de uma maneira ou de outra".
Grupo de rappers
Enquanto Giovanni toca uma bossa nova sobre a saudade num dia de chuva, há quem entregue rimas improvisadas sobre os passageiros. São quase 16 horas e o Coletivo dos Trilhos para o Mundo anima quem circula na Linha Amarela do metro. De miúdos a graúdos, as reações são as mais diversas.
"Amiga, se gosta de rap, então entra na dança, a minha vida está mais apertada que as suas "trança"", solta John Sousa, um dos integrantes do coletivo, enquanto brinca com uma criança de tranças.
Enquanto improvisa, lançam-se sorrisos de pessoas que gravam vídeos para as redes sociais. "Mais vale isto do que andarem a fazer asneiras", diz uma das passageiras.
O Coletivo dos Trilhos para o Mundo está no Porto há pouco mais de um mês, mas os seus integrantes já são reconhecidos por algumas pessoas. "Não são aqueles rappers do metro?", pergunta uma jovem.
Tudo começou com a chegada de John ao Porto, que inspirou os restantes elementos do coletivo. Desde os 12 anos que se dedica ao rap. Tal como Giovanni, também foi inspirado pela prática comum no Brasil.
Os restantes elementos encontraram John nas redes sociais e mostraram-se interessados em juntar-se a John. "No dia a seguir a nos conhecermos, já andámos com ele", refere Flávio da Costa.
Respeito pelas normas
As apresentações no metro dividem as opiniões dos passageiros. "Nem Deus agradou a todos, quem sou eu para agradar", observa John. "O respeito acima de tudo. A primeira pergunta que fazemos é se estamos a incomodar. Se alguém pede para pararmos, nós desligamos a coluna", salvaguarda.
É com a coluna numa mão e o boné na outra que improvisam. Várias pessoas não hesitam e dão uma gorjeta. "Sua mão é muito linda e a unha muito bela, só que fica mais bonita com uma moedinha nela", improvisa André Dantas.
Os dias são todos diferentes e o dinheiro que os jovens conseguem também varia. "Trabalhamos de três a cinco horas. Mas há dias de tudo", refere Pedro Riquito.
abrir portas
Mas o dinheiro é apenas uma pequena parte do que leva estes jovens a invadir o metro todos os dias.
"Podemos vir a ser os pioneiros para um crescimento cultural deste fenómeno e deixar as portas abertas para a próxima geração que pretenda viver da música e esteja a começar", sustentam os rappers.
Este tipo de atuações no interior das composições não é permitida pela Metro do Porto, mas a convivência, até agora, tem sido pacífica. Aliás, tanto o Coletivo dos Trilhos para o Mundo como Giovanni garantem que respeitam os seguranças que avisam para a proibição de atuar nos veículos e nas estações e muitas vezes interrompem os músicos. Da mesma forma, todos garantem que circulam na rede do metro com "os passes em dia".