Com o luto por fazer, 20 anos depois ainda há quem não passe a ponte de Entre-os-Rios
Passam esta quinta-feira 20 anos desde a queda da ponte de Entre-os-Rios, uma tragédia que colocou Castelo de Paiva no mapa. Nunca pelos melhores motivos. O concelho evoluiu, mas não o suficiente.
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À época, avançou um conjunto de investimentos em infraestruturas e acessibilidades, só que as ligações ao exterior - cerca de nove quilómetros da variante da EN 222 à A32 (nó de Canedo) e 14 quilómetros do IC35, de Entre-os-Rios a Penafiel - continuam por fazer. Houve quebras na população, que foge para o litoral, e o território não atrai o investimento.
Os familiares das 59 vítimas procuraram ultrapassar a dor construindo uma resposta social que ajuda crianças em risco. A vida continuou, mas passadas duas décadas há quem ainda não tenha feito o luto.
Distância com preço
Quando caiu a ponte, naquele 4 de março, o Governo pediu a Paulo Teixeira, antigo presidente da Câmara, uma lista de investimentos prioritários. Elencou 55 e da tragédia nasceu obra de vários milhões. Mas continuam a ser adiadas as acessibilidades que iam aproximar o concelho do litoral.
"Tem havido desprezo dos sucessivos governos. Se não tivesse caído a ponte ainda estaríamos mais esquecidos", acredita. Já o atual autarca, Gonçalo Rocha, recorda que "muitos investimentos foram desbloqueados com a queda da ponte" e que "houve uma evolução positiva, com crescimento de empregabilidade". "Mas tudo ficou aquém do que o concelho precisa", reconhece.
A distância tem preço. "Um terço do produto final que sai de Castelo de Paiva é custo de transportes. Isso prejudica a competitividade. E tem-se assistido a uma fuga da população para o litoral. São menos 1100 pessoas nos últimos 10 anos", relata Paulo Teixeira. O sentimento é partilhado por Joaquim Rodrigues, comandante dos Bombeiros, que viveu de perto a tragédia. "Houve melhorias, mas Castelo de Paiva voltou a ficar esquecido. Tudo passou e nós continuamos aqui, isolados de tudo e todos", aponta, lembrando os 40 minutos (ou mais) para levar um doente ao hospital que põem em risco vidas.
A "ferida", essa, ficou aberta na comunidade, já que 36 corpos não foram recuperados. "Este dia não sai da memória. Ao fim de 20 anos ainda temos casos de quem não fez o luto e há quem não consiga atravessar a ponte", conta Augusto Moreira, da associação de familiares das vítimas. "Quando se chega àquela ponte, recorda-se tudo. Foi das piores coisas que vivi em 40 anos de bombeiro", admite Joaquim Rodrigues.
O padre José Mota, na altura responsável pela paróquia de Raiva, conhecia grande parte dos mortos e realizou os funerais, acredita que a dor da comunidade não passará tão cedo. "Para quem não recuperou o corpo dos familiares a mágoa continua, sempre. O ser humano precisa de se despedir", sustenta.
Promessa
Obras deverão sair da "bazuca" europeia
As vias que iam "desencravar" os acessos em Castelo de Paiva, a variante da EN 222 à A32 (nó de Canedo) e o IC35, de Entre-os-Rios a Penafiel, continuam no papel. As obras estão agora incluídas no plano da "bazuca" europeia, com projetos a executar até 2026. O presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, Gonçalo Rocha, acredita que é desta, e pede procedimentos céleres. "Estes investimentos são um ato de justiça para com o nosso território. Ninguém perdoaria se o país desperdiçasse estes recursos", afirma Gonçalo Rocha.
Cronologia de uma tragédia
4 março 2001
A ponte que ligava Entre-os-Rios a Castelo de Paiva desaba, arrastando um autocarro e três carros. Morrem 59 pessoas, mas só 23 corpos viriam a ser resgatados.
5 março 2001
O ministro do Equipamento Social, Jorge Coelho, demite-se, assim como cinco secretários de Estado. É aberto um inquérito para apurar as causas do acidente.
20 março 2001
O autocarro é içado para a margem. São encontrados seis corpos no interior.
Maio 2002
Inaugurada nova ponte pelo primeiro-ministro, Durão Barroso.
Janeiro 2003
Inaugurado monumento de homenagem às vítimas, o "Anjo de Portugal".
Outubro 2006
Tribunal de Castelo de Paiva absolve quatro engenheiros da ex-Junta Autónoma de Estradas e dois de empresa projetista que Ministério Público responsabilizava pela queda da ponte.
2009
Estado atribuiu 50 mil euros a cada família enlutada e um adicional entre 10 mil e 20 mil euros para cada herdeiro, em função do grau de parentesco.