Anabela nasceu três horas depois de a ponte cair. Durante anos escondeu a tristeza de estar associada à data da morte.
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Foi o obstetra o "carteiro da desgraça" que deu a notícia a Anabela Rocha no Hospital de Santa Maria da Feira. "Entrou na sala de partos a gritar que tinha caído a ponte de Entre-os-Rios", lembra a mulher de Sardoura, então com 27 anos. O nascimento de Anabela Rocha filha teria sido só mais um, não fosse a menina de 50,5 centímetros e 2,850 quilos a primeira bebé de Castelo de Paiva a nascer depois da tragédia. Passavam dois minutos da meia-noite, menos de três horas depois de dezenas de pessoas terem morrido no rio Douro, cerca das 21.15 horas.
Anabela confessa que a sua preocupação era outra. "Estava focada no nascimento da minha filha e não tinha familiares ou conhecidos na excursão", recorda a professora. Não fez nada para atrasar o parto, para que Anabela não nascesse no dia negro, mas confessa que foi um "alívio". Mesmo assim, a associação é inevitável. Principalmente para a filha.
Sentia-me culpada por ter nascido naquele dia. Mesmo sabendo que não tinha culpa, não me sentia bem ao festejar um aniversário em cima de um dia de tanta tristeza. Por isso, preferia ter nascido noutra data
Hoje, na véspera de fazer 20 anos, a estudante do segundo ano de Design de Moda da Escola Superior de Artes e Design (ESAD), em Matosinhos, consegue manifestar o que durante muitos anos, principalmente na adolescência, não conseguiu. "Sentia-me culpada por ter nascido naquele dia. Mesmo sabendo que não tinha culpa, não me sentia bem festejar um aniversário em cima de um dia de tanta tristeza. Até os professores, sempre que se apercebiam, comentavam a coincidência". É por isso que Anabela preferia ter nascido noutra data, assumindo, no entanto, "com orgulho" o dia em que veio ao Mundo.
A mãe lembra-se das primeiras saídas à rua. "Foi estranho porque se por um lado sentia a alegria de ter um bem maior ao pé de mim, por outro não podia esquecer a tristeza geral e o sofrimento dos familiares das vítimas, mas consegui usufruir plenamente do nascimento da minha filha, talvez por não ter familiares ou amigos entre os que morreram", justifica.