Cinco jovens estão a perpetuar as histórias dos habitantes mais velhos da Torre, ilustrando-as em casas e em muros com desenhos. Anciãos estão felizes.
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A alegria de Conceição Marcelino, 74 anos, é indisfarçável, sempre que olha para a parede de casa, colorida com desenhos que a fazem recuar aos tempos em que era uma jovem resineira. Habitante da Torre, na Batalha, não poupa elogios aos jovens autores do projeto Aldeia Pintada, destinado a perpetuar as memórias dos mais velhos, através da inscrição de quadras, frases e histórias, ilustradas com desenhos, em paredes de casas.
Eva Vieira, 24 anos, explica que, sempre que havia reuniões de família, os avós e os tios gostavam de contar histórias de "valishomens" (lubisomens) e de bruxas, e de relatar episódios antigos passados na aldeia. "Decidimos guardar esses testemunhos em vídeo e em áudio, para disponibilizarmos o acesso online", conta a diretora de um museu em Fátima.
"Foram essas entrevistas que deram o mote para as intervenções", refere Diogo Monteiro, 32 anos, arquiteto e ilustrador, que se mudou para a Torre, há poucos anos, com a namorada, Sandra Pereira, 33 anos, que trata da parte audiovisual do projeto. "No túnel pedestre, usámos duas quadras de uma senhora sobre aquele local e um chocalho", exemplifica Sandra.
Diogo diz que, como o túnel é "muito comprido, muito frio e muito escuro", ilustraram as paredes para lhe "dar vida". "Pusemos lá um chocalho para que as pessoas que vão caminhar pela serra o pudessem tocar, porque o som faz eco", justifica. Para evitarem que fosse roubado, criaram uma espécie de maldição, inscrita no muro: "Dez anos de sorte a quem o tocar, dez anos de azar a quem o roubar".
Mariana Menezes, de 22 anos, diz que "a primeira pintura mais a sério foi num muro muito grande, por baixo do IC9", que pertence a um tio. "As pessoas gostaram muito, porque perceberam o conceito e quiseram ajudar", assegura Sandra. "A ideia é que se identifiquem com as memórias", acrescenta Eva.
ATRAIR VISITANTES
"Toda a gente está contente por ver as quadras que cantávamos quando éramos novos pintadas nas paredes", garante Manuel Moço, 86 anos. "Acho muito boa ideia fazerem essas coisas pela nossa terra, porque isto estava muito parado. Estávamos aqui sozinhos, só velhotes", afirma o idoso. Desde então, garante que a Torre é mais visitada por pessoas que têm curiosidade em fotografar a "Aldeia Pintada".
"As pinturas de lebres, do pinheiro e dos púcaros de resina trazem-me muito boas memórias", confirma Conceição Marcelino. As paredes de sua casa também foram ilustradas com a quadra "As resineiras da Torre / não devem nada a ninguém / se elas cantam, se elas bailam / fazem elas muito bem". "Na altura, o trabalho era duro, mas cantávamos de amanhã à noite. Riamo-nos muito umas com as outras. As pessoas não imaginam a alegria", recorda.
Desde o início do projeto, no verão passado, que Diogo, Eva, Mariana, Sandra e Filipe Cordeiro, de 24 anos, não têm tido mãos a medir. A intenção do grupo de jovens, que têm em comum o interesse pela arte, era fazer o esboço dos desenhos para serem os habitantes a pintá-los, mas a pandemia não o permitiu, pelo que têm sido os cinco a assegurar essa tarefa. Nesta fase, têm pedidos para colorir mais 10 paredes da aldeia, onde vivem cerca de 500 pessoas.
O projeto Aldeia Pintada prevê ainda a execução de instalações e a realização de workshops.