Nicolau Nasoni está sepultado, algures, na igreja dos Clérigos. Não se sabe onde, mas o assento de óbito deixa isso bem claro. Como clara está, na documentação, a circunstância de o toscano nada ter cobrado pelo projecto do conjunto arquitectónico dos Clérigos, o que contribuiu para que fosse aceite como irmão leigo.
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Daí que a graciosidade se torne uma palavra de ordem. Américo Aguiar considera que terá de haver, no edifício, um espaço consagrado à memória de Nasoni, que está indelevelmente ligado ao Porto, pelo que lança um desafio aos dois arquitectos da cidade que receberam o Pritzker, o mais importante prémio mundial de arquitectura: "Seria divinal que Álvaro Siza e Souto de Moura, gratuitamente, se associassem a esse espaço".
O Palácio do Freixo, diversos elementos da Sé, como a galilé no lado setentrional, ou a fachada da igreja da Misericórdia, na Rua das Flores, são outras marcas deixadas na cidade pelo arquitecto (podemos também citar a fachada da igreja do Bom Jesus de Matosinhos), havendo também pelo Norte obras importantes que lhe são atribuídas (sem total certeza) com destaque para o solar de Mateus, em Vila Real. Chegado ao Porto por volta de 1725, começou por trabalhar como pintor. Morreu em 1773, mais portuense do que os verdadeiros, pois deu forma à cidade.
O Símbolo mais reconhecido
Há um mês, um estudo de opinião encomendado pelo JN dava a Torre dos Clérigos como a referência arquitectónica com que a cidade mais se identifica. Era assim descrita, em 1788, pelo padre Agostinho Rebelo da Costa: "A sua torre é a maior do reino e a mais bem lavrada, e figura entre as principais da Europa, excedendo nesta singularidade as de Bristol, Utreque, Hamburgo, Riga e Bolonha, porque, além de ser toda de cantaria, tem multiplicados campanários com doze sinos, alguns dos quais pesam de cem até duzentas arrobas". Segundo este autor do século XVIII, era usada como referência pelas embarcações que se faziam à barra do Douro. Regia, também, a vida dos cidadãos: um morteiro colocado lá no alto disparava sem falhas ao meio-dia, pelo que lhe chamavam meridiana. Era accionado pela luz do sol, que passava por uma lente e queimava um fio.
O engano da porta principal
São mais que muitos os visitantes que se queixam de a entrada principal da igreja estar sempre fechada, aludindo à porta que ocupa posição central na fachada que se vê ao cimo da Rua dos Clérigos. Puro engano de quem se queixa. As entradas para a igreja, um magnífico templo barroco de planta elíptica (raridade em Portugal) são laterais, e essa porta dá entrada para uma pequena capela situada sob a igreja e consagrada à Senhora da Lapa, não tendo acesso ao templo principal. Até aí, a devoção à Senhora da Lapa (rocha alusiva à Natividade) era cumprida na Sé, e dali nasceu a Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Lapa.
Construção faseada
A obra projectada por Nasoni começou a construir-se a 2 de Junho de 1732, conhecendo muitas vicissitudes. A primeira missa foi celebrada em Julho de 1748, mas a sagração, pelo bispo D. frei João Rafael de Mendonça, só ocorreu a 12 de Dezembro de 1779. Nessa altura, já a torre chegava ao alto dos seus 75,60 metros (ficou concluída em 1763), bem como a casa. Erguida fora de muros (a cerca medieval, depois demolida, no tempo dos Almadas, passava mesmo ali ao lado), foi o primeiro edifício de estilo barroco erguido na cidade do Porto.
Ordens em rede
Funcionando a Misericórdia como elemento aglutinador, há a intenção de fazer acordos com outras irmandades e ordens terceiras da cidade (Carmo, Terço, Lapa, S. Francisco, Trindade), de modo a que possam funcionar em rede. A criação de um bilhete único, para visitar as partes museológicas de todas, foi avançada pelo provedor da Misericórdia, António Tavares, e poderá estender-se a outras instituições, como a Associação Comercial do Porto, ou, até, a Fundação de Serralves e a Casa da Música.
Envolver a universidade
A Irmandade dos Clérigos pretende aproveitar, como puder, as potencialidades da Universidade do Porto, designadamente em matérias relacionadas com tecnologia simples - não há um sistema de videovigilância das escadas da torre -, mas também ao nível da museologia e outros. Também se procurarão parcerias com as escolas de turismo. A irmandade fornece um espaço muito visitado, para estágios, e passa a contar com visitas guiadas em várias línguas. Actualmente, o único guia é um folheto elaborado pelo padre Valdemar, que ainda preside às celebrações eucarísticas nos Clérigos, que já chegaram a ser as mais chiques da cidade.