Diretor de serviço partilha no WhatsApp informação de médica que denunciou negligência
O diretor do Serviço de Cirurgia 1 do Hospital de Faro partilhou, num grupo privado do WhatsApp, informação pessoal e clínica da médica interna que o acusa de encobrir onze casos de alegada negligência e más práticas.
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Os dados terão sido fornecidos por Pedro Henriques, ex-orientador de formação de Diana de Carvalho Pereira, também visado nas denúncias, aos quais acedeu através dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).
As informações constam de uma publicação, feita esta sexta-feira, pelo diretor do serviço, Martins dos Santos, e à qual o JN teve acesso. Trata-se do relatório de uma consulta aberta a que Diana foi no dia 6. Além de explicar os sintomas de dor que a levaram a procurar o colega, a médica interna revelou, nos antecedentes, o esgotamento que sofreu na faculdade e que a própria já tinha tornado público.
"Tomei conhecimento que foram partilhados dados pessoais e clínicos meus no grupo geral de cirurgia de Faro onde estão todos os especialistas e internos do serviço. Dados esses partilhados no grupo, sem autorização de acesso ou partilha, pelo diretor de serviço", explicou, ao JN.
Para tentar perceber de que forma acederam às informações, a médica consultou o SPMS. "Percebi que quem visualizou dados sem autorização e os transferiu ilegalmente foi o Dr. Pedro Henriques", acrescentou, mostrando ao JN comprovativos de quatro acessos: dois a 4 de abril (três dias depois de ter apresentado queixa), um no dia 20 e outro no dia 21.
"Nesses dados clínicos constam os meus antecedentes pessoais, cirurgias e medicação, bem como a minha identificação e morada", lamenta. Classifica estes atos "como assédio laboral e tentativa de perseguição. Mesmo estando com o internato suspenso, continuam a difamar-me a fazer este tipo de partilha ilegal", acusa.
"Ver em praça pública partilhados dados só meus dá-me vergonha destes supostos médicos" e "repulsa de ter trabalhado com tais pessoas que usam e abusam do poder". "Nada que já não estivesse à espera pelo tipo de pessoas que já revelaram ser", conclui.
Diana garante que vai apresentar queixa às autoridades e à Comissão Nacional de Proteção de Dados e que enviou todas as provas ao Bastonário da Ordem dos Médicos.
"Recebi esses dados em carta anónima"
O JN sabe que a Ordem irá remeter as informações ao Conselho Disciplinar, à Secção Regional do Sul e à comissão independente criada para investigar os casos denunciados pela médica.
Contactado pelo JN, Martins dos Santos não desmentiu ser o autor da partilha. "Recebi esses dados em carta anónima", justificou. Já o cirurgião Pedro Henriques recusou comentar.
Diana de Carvalho Pereira, de 27 anos, está no primeiro ano do internato na especialidade de cirurgia em Faro. No dia 1, denunciou à Polícia Judiciária onze casos envolvendo os dois médicos. Três dos casos terão resultado em mortes e outros em lesões corporais.
As denúncias estão também a ser investigadas pela comissão independente constituída pela Ordem dos Médicos, Entidade Reguladora da Saúde e Inspeção Geral das Atividades em Saúde.
O Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, a que pertence o hospital de Faro, também está a averiguar as queixas e já ouviu a médica, que recusa continuar o internato em Faro. Já pediu suspensão e aguarda recolocação.
O cirurgião Pedro Henriques também já pediu a suspensão da atividade no bloco operatório, alegando "stress" e "pressão", que foi aceite pelo diretor do serviço.