Moradores no Centro Histórico do Porto estão indiferentes e dizem que a obra interessa mais aos turistas.
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Por estes dias, em Miragaia, no Monte dos Judeus, no Porto, ainda se vai ouvindo o barulho das máquinas a cortar o granito para a renovada escadaria. Ao lado, num corredor próprio, já estão montadas escadas rolantes. Essa é a grande novidade. Uma ligação mecanizada entre a Viela da Ilha do Ferro e a Rua Monte dos Judeus.
A Autarquia prevê para o fim do mês a sua conclusão, mas os moradores do Centro Histórico olham-na quase com indiferença. Dizem que foi feita a pensar nos turistas e queixam-se da desertificação de Miragaia, que foi tomada pelo turismo e que com a pandemia até deixou de receber a visita dos estrangeiros.
Enquanto o ruído e a poeira da empreitada granítica vão cortando a pacatez do dia a dia, mais abaixo, no largo, com vistas para o edifício da Alfândega, a quietude é pior. Vislumbra-se o movimento de um ou outro carro, uma ou outra pessoa, mas a rua está despida. Ali, a moradora Fernanda Helena, também funcionária da Casa Mara, um espaço de restauração, encolhe os ombros, resignada. A pressão imobiliária tirou os antigos habitantes, o coronavírus fez desaparecer os turistas e com tudo isto os clientes evaporaram-se.
Sofreu atraso
Neste impasse, a inauguração das escadas rolantes, prestes a acontecer, passa-lhe ao lado. "Foram feitas para os estrangeiros. Antes, quando morava cá muita gente, não as fizeram", diz Fernanda Helena, aborrecida e a deitar contas à vida.
Rui Brandão também anda desalentado. Tem coisas para resolver e está triste com o despovoamento. As ligações mecanizadas não farão diferença. "Moro cá há 67 anos. Para mim, é igual. Sempre subi e desci os degraus. Hoje, são poucos os moradores. Somos meia dúzia... As casas foram convertidas em hostels e está tudo vazio", comenta, queixando-se do pó que lhe foi entrando na habitação.
A expectativa é residual. "Não sou contra nem a favor. As pessoas de idade morreram ou saíram. Isto foi feito para os turistas chegarem aqui e irem com a malinha por aí acima", afirma Nélson Ferreira, fazendo notar que a estreiteza das escadas rolantes "não serve para quem utilizar cadeira de rodas".
Sem entusiasmo dos locais, os trabalhos entraram na reta final, à espera da data para o corte da fita, numa intervenção que compreende pequenos espaços ajardinados. A obra sofreu um atraso, pois já teve a conclusão prevista para março.