Inquérito ao licenciamento de unidade hoteleira na praia da Memória está sob a alçada de inspetores especialistas em crimes de corrupção.
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Está a ser investigado pelo Ministério Público (MP) o processo de licenciamento de um hotel na praia da Memória, em Perafita, Matosinhos, cujas obras estão embargadas e paradas há quase dois anos. O trabalho está a ser conduzido por inspetores especialistas em crimes de corrupção e já foram ouvidas testemunhas. O processo está "sujeito a segredo de justiça externo", adiantou a Procuradoria-Geral da República. Em causa estará o processo de obtenção de pareceres favoráveis.
As obras começaram em setembro de 2019 e previa-se que o hotel de quatro estrelas estivesse pronto em dois anos, mas com o embargo da obra, assinado pela Câmara de Matosinhos em abril de 2020, o esqueleto de betão permanece na praia, a cerca de cem metros do mar. Na sequência disso, o promotor da unidade hoteleira, Mário Ascenção, avançou com uma ação em tribunal em que pede uma indemnização de 19,6 milhões de euros e chamou a Autarquia e o Ministério do Ambiente a assumir responsabilidades. O processo corre em tribunal desde setembro desse ano, ainda sem conclusões.
Luz verde doze anos depois
Certo é que moradores e ambientalistas insurgiram-se no momento em que as máquinas começaram a avançar. Até porque, numa carta enviada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), em 2005, a um morador, aquela entidade indicou que o terreno estava "em área afeta à Reserva Ecológica Nacional (REN)".
A mesma carta acrescenta que essa área estava, inclusivamente, definida no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) na categoria de espaço "áreas em APC". Ou seja, "onde são interditas, nomeadamente a alteração da morfologia do solo ou do coberto vegetal e as ações que impliquem a sua impermeabilização ou capazes de alterarem negativamente a estabilidade destes ecossistemas".
Apesar disso e 12 anos depois, em 2017, e mediante "a reformulação do projeto", a CCDR-N deu luz verde à obra. Afinal, na carta da REN de Matosinhos, "aprovada com base no pressuposto do POOC de 1999" - à data, em revisão, mas em vigor -, previa-se uma área de exclusão para onde "se destinava um hotel". Como inicialmente o projeto não se circunscrevia a essa área, não foi aprovado, clarificou a CCDR-N.
No entanto, um processo de averiguações ao licenciamento conduzido pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, e cuja abertura foi determinada pelo ministro do Ambiente, Matos Fernandes, por "estranhar a autorização do hotel", concluiu que o terreno pertence à REN e que não existem áreas a excluir. O ministro homologou o relatório e a autarca Luísa Salgueiro embargou a obra.
Processo Controverso
setembro de 2019: Arranca a construção do Memória Talasso Hotel Apartamentos". Estaleiro e grua começam a ser montados. Moradores e ambientalistas criticam autorização.
outubro de 2019: Ministério do Ambiente diz que obra na praia foi parada. Câmara de Matosinhos afirma que trabalhos foram interrompidos por "consenso" com o promotor da obra.
dezembro de 2019: Dois meses depois de tentativas de negociação entre a Autarquia e o promotor, os trabalhos são retomados. Deslocar o hotel para o outro lado da rua esteve em cima da mesa.
dezembro de 2019: O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, diz "achar estranho" que o projeto tenha sido autorizado e ordena a abertura de uma investigação ao licenciamento
março de 2020: Relatório da investigação concluiu que terreno sempre pertenceu à REN. Ministro homologa e diz que licença deve ser anulada. Autarca assina embargo da obra um mês depois.
agosto de 2020: Promotor do projeto, Mário Ascenção, avança com um pedido de indemnização de 19,6 milhões de euros e pede a anulação do despacho que conduziu ao embargo da obra.
Detalhes
Delimitação
O projeto não precisou do parecer da Autoridade Marítima porque não está em domínio público marítimo. A delimitação da zona foi feita e publicada em "Diário da República" em 1979 e permanece em vigor.
Demolições
A Câmara de Matosinhos admitiu ter demolido dois edifícios em domínio privado junto às praias para obras de requalificação.
Arquitetura
O grupo de arquitetos responsável pelo projeto é o NN Arquitetura e Planeamento. No Porto, projetou o Hotel Eurostars, na Avenida de Gustavo Eiffel, e o Hotel Teatro, entre outros.