O reitor Amílcar Falcão elogia o “gigante” de 735 anos que esteve adormecido. A academia Património Mundial fatura e trabalha como nunca para os portugueses.
Corpo do artigo
A Universidade de Coimbra (UC) está a comemorar 735 anos. Ao “peito”, para além da data de nascimento que a marca como uma das mais antigas da Europa, tem a medalha da UNESCO, que a classificou, em 2013, Património Mundial da Humanidade. Mas o estatuto não chega e, como admite ao JN o reitor Amílcar Falcão, a UC “deixou-se adormecer na década de 80”, fechando-se ao exterior. As portas reabriram-se nos últimos anos e hoje a carteira de projetos de investigação “valem 450 milhões de euros, mais 144% do que os 184 milhões de 2018”, revela o reitor de 30 mil alunos.
“Os nossos clientes são privados e públicos, portugueses e estrangeiros. A esmagadora maioria são projetos da universidade, principalmente nas áreas da saúde e das tecnologias, que motivaram o interesse e depois foram vendidos. Em 2018 tínhamos 207 patentes ativas, em 2024 eram 533 e hoje já ultrapassamos as 630. Tivemos um aumento de 300% em sete anos”, afirma o reitor com evidente orgulho, revelando que os “royalties”, “que quase não recebíamos, dão-nos agora cerca de um milhão de euros por ano”.
Xeque deu oito milhões
O reitor, de 60 anos, que termina o mandato em 2027, não tem dúvidas de que a UC está no “rumo certo”, após uma fase de estagnação. “A Universidade de Coimbra tem um histórico enorme, mas há cerca de 40 anos deixou-se adormecer. Entretanto, apareceram muitas universidades no país que, e bem, fizeram pela vida, enquanto a UC esteve fechada numa torre de marfim”.
“Centenas de alunos não teriam condições para estudar em Coimbra sem o apoio da Universidade”
Nos últimos 20 anos, prossegue, “isso mudou, com o trabalho dos reitores Fernando Seabra Santos, João Gabriel Silva e o meu”. “Houve uma transformação gradual, porque esta é uma instituição muito grande, com complexidades a vários níveis, e temos feito a universidade crescer. Hoje, há mais alunos, mais orçamento, mais investigação, mais patentes, melhores ‘rankings’. Assumimo-nos como uma universidade de investigação, com parcerias fortes internacionalmente, onde temos ido buscar financiamentos muito importantes, não só através de fundos europeus, mas em outros continentes, o que não acontecia há uma década”.
O reitor conta a história do xeque de Xarja – uma cidade dos Emirados Árabes virada para a cultura –, que quando foi a Coimbra receber o doutoramento honoris causa, há uns três anos, ficou maravilhado com a Biblioteca Joanina, tendo dado oito milhões de euros à Universidade para, em seis anos, digitalizar todos os livros, de forma a que fiquem disponíveis para o mundo em formato digital.
O remédio
O “segredo” da melhoria global, diz o reitor, professor catedrático em Ciências Farmacêuticas, foi “acordar um gigante adormecido”. “Criámos condições para ter mais e melhores investigadores, mais sucesso na submissão de projetos de investigação. Somos, a par da Nova, a universidade que tem mais dinheiro europeu. Isso trouxe-nos gente de muita qualidade, de novas áreas, tudo isto acompanhado de um elevado investimento da Universidade em infraestruturas”, explica.
O futuro continua a passar pela investigação, “que tem de ser aplicada ao serviço das pessoas”. “Temos de estar atentos ao que a sociedade civil, incluindo as empresas, mas também o Estado, precisa. Temos de ser úteis. Uma universidade pública, como a de Coimbra, tem um dever para com a população portuguesa. O que recebemos do Estado – que deveria ser mais - temos de devolver à população com juros. Não só no ensino, mas também, na saúde, na economia, na justiça, no ambiente, na ação social e noutras dimensões. Se eu não tiver boa investigação, não vou ter ensino de qualidade, e se eu não tiver boa investigação, não vou transferir nada para a sociedade”.
“A nossa investigação tem de servir as pessoas. O que recebemos do Estado temos de devolver à população com juros”
A situação do país “reflete-se na falta de financiamento do Governo para equipamentos ou recuperação do património, que no nosso caso está a ser feito com o dinheiro da Universidade, só no Paço das Escolas estamos a falar de 10 milhões de euros por ano”, dá como exemplo.
Mas atinge igualmente os estudantes. “Há muitas centenas de alunos que não teriam condições para estudar em Coimbra se não tivessem o apoio da Universidade. Esse apoio tem crescido, mesmo tendo nós a ação social mais forte do país. O nosso investimento nessa área é brutal, ultrapassa os 10 milhões de euros por ano. Temos vários fundos de apoio aos estudantes, contando com a boa relação que temos com a Associação Académica”, diz Amílcar Falcão.
O reitor diz que a Universidade financeiramente “está bem”. “O meu primeiro orçamento enquanto reitor, em 2019, era na ordem dos 140 milhões de euros. O deste ano é de 270, quase o dobro. Temos resultados líquidos positivos. Para se ter uma ideia, se fôssemos uma empresa, no ano passado, teríamos sido a segunda maior da região Centro em número de funcionários, perto de 4000, atrás dos hospitais de Coimbra, agora ULS; e seríamos a terceira do Centro a contribuir para o produto interno bruto”.