Mário Almeida: "Uma das prioridades do governo deve ser reverter a agregação de freguesias"
Esteve mais de 40 anos na Câmara de Vila do Conde. Pôs a cidade no mapa, granjeou prestígio à esquerda e à direita, presidiu à Associação Nacional de Municípios, liderou organismos internacionais, subiu degraus no PS e é, ainda hoje, voz ouvida. Foi "Melhor Autarca", homenageado por Mário Soares e Jorge Sampaio. É um dos últimos "dinossauros" autárquicos, limitados, agora, por uma lei que não compreende. Descentralização e regionalização? Sim e depressa. Luísa Salgueiro pode ser a aliada que o norte precisa.
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Elisa Ferraz definiu-o como "grande e excecional autarca", o PSD enalteceu-lhe "a obra feita". Para muitos, Mário Almeida será sempre, simplesmente, "o presidente". No sábado lança um livro de balanço.
Este livro é o fechar de um ciclo?
O ciclo já foi fechado quando, há oito anos, deixei a Câmara. Não aceitei qualquer das hipóteses que me propuseram de ser candidato a outros municípios da Área Metropolitana do Porto e logo disse também que, mesmo na vida partidária, iria deixar os cargos que tinha. Agora, achei que era um dever meu, prestar contas aos vilacondenses daquilo que fizemos. Os vilacondenses sempre confiaram, de facto, muito em mim e, portanto, quero neste livro agradecer-lhes. Sou daqueles que não tenho dúvidas que Vila do Conde melhorou, que encanta quem cá vem, e isso deve-se a um esforço de muita gente.
Há alguma coisa nestes anos que se arrepende, que, se fosse hoje, não tinha feito?
Sinceramente, não. Naturalmente há coisas que eu gostaria de ter feito e não fiz e, no livro, não deixo de as enunciar. Mas, procurei sempre fazer o melhor que sabia, fazendo pressão e exercendo influências como podia. A porta do meu gabinete e a porta da minha casa estiveram sempre abertas para os vilacondenses. Agora arrependido? Não, acho que não.
Sente que cumpriu a sua missão?
Sinto. Nós, os vilacondenses, sentíamos muita tristeza por algum adormecimento que caracterizava Vila do Conde e que fazia com que não fossemos respeitados como devíamos. Não havia ensino secundário, não havia um pavilhão coberto, nem uma piscina, havia um conjunto de edifícios históricos abandonados e que, hoje, são o Centro da Juventude, Auditório Municipal, Centro de Memória, Teatro Municipal. Tudo isso nos motivou durante muitos anos a travar uma luta dura, que nem sempre foi fácil.
Granjeou um prestígio entre os seus pares e entre o governo. Isso ajudava?
Admito que sim. Sempre valorizei muito o relacionamento institucional e não escondo que, com todos os governos do PS, do PSD, do PSD-CDS, tive sempre boas relações. Mas nós sempre apresentamos projetos compatíveis com as verdadeiras necessidades da terra e que valorizavam, não só a nossa terra, como a região. Eu posso ter contribuído, mas tive sempre excelentes equipas.
Arrepende-se de nunca ter ido para o governo?
Não, isso nunca me arrependi.
Teve vários convites?
Sim. Podia ter entrado no governo quando, em 1995, António Guterres assumiu o lugar de Primeiro Ministro e, uma vez, tive que dizer que não a um amigo admirável - que infelizmente já perdi -, o dr. Jorge Coelho, que, na noite da tragédia de Entre-os-Rios, me telefonou a pedir para indicar o meu nome para o substituir. Disse-lhe que não, porque a minha vocação era, de facto, o poder local. Prometi aos vilacondenses que só trabalhava para eles e para Vila do Conde.
"O que mais me agrada é esta ligação e este carinho que sinto quando ando na rua"
Faz parte da geração dos últimos autarcas que estiveram tantos anos em funções. Acha que isso prejudica?
Fui contra a lei de limitação de mandatos, não por minha causa, mas porque achava que quem tem o direito de limitar os mandatos são as populações e esta lei, em determinadas situações, prejudicará as próprias terras. São autarcas que ainda teriam muito para dar. Nunca compreendi essa lei. É, na minha ótica, inconcebível quando foi direcionada exclusivamente aos presidentes de câmara e de junta. Excluiu os vereadores e outros membros das juntas, deputados, membros dos governos nacional e regionais.
Eu fiz dez mandatos e a população sempre me deu mais votos do que na eleição anterior. Os atuais autarcas podem fazer um bom trabalho ao longo de três mandatos, mas nunca conseguirão ter a mesma empatia com a população.
Cria-se uma ligação ao presidente de Câmara diferente?
Ainda hoje as pessoas me tratam por presidente. Um dia destes, nas Caxinas, ia acompanhado pelo professor Vítor Costa e surgiam duas mulheres: "Presidente, presidente". E eu disse: "Agora não sou o presidente. O presidente é aqui o dr. Vítor Costa". E elas responderam: "Nós também votamos nele, mas você será sempre o nosso presidente". E o dr. Vítor Costa teve uma daquelas saídas dele: "Ele também é o meu presidente".
O que mais me agrada é esta ligação e este carinho que sinto quando ando na rua.
Ficou satisfeito por ver a Associação Nacional de Municípios Portugueses entregue à zona norte? É importante este equilíbrio?
É e contribui para isso. Ajudei a convencer a dra. Luísa Salgueiro de que ela era a pessoa indicada para presidir à ANMP. Acho que esta indigitação abre boas perspetivas. É uma jovem, conhecedora, tem muito valor. Numa altura em que é preciso uma atenção muito especial em função deste processo da descentralização - que eu defendo, mas que tem que ser feito com muito cuidado para que os municípios estejam dotados dos meios para poder corresponder às expectativas das populações - e também da regionalização.
Continuamos demasiado centrados em Lisboa?
Isso é infalível, nem acredito que a descentralização e uma eventual regionalização venham a suprir completamente esse defeito da nossa política, mas reconheço que tem havido um esforço da parte do governo. Temos que aproximar o poder dos cidadãos e essa passagem de poder nunca pode parar nos municípios, como eu sempre defendi. Tem que ir até às juntas de freguesias, porque se não tenho dúvidas que muitas das obras ficariam muito mais baratas e seriam muito mais céleres se fossem feitas pelas câmaras, também não tenho dúvidas que o mesmo acontece em relação às juntas.
Acha que é desta, com um governo maioritário de António Costa?
Acho que estão criadas todas as condições para isso. Uma das prioridades do governo também deve ser reverter a agregação de freguesias. É um processo ilógico. Tem que se dar o poder às populações e aos seus legítimos representantes e manter unidas aquelas que o querem fazer - creio que serão poucas -, mas desagregar novamente as que não querem estar unidas. Não tenho dúvidas que, no nosso concelho, por exemplo, Rio Mau e Arcos querem separar-se. Só no núcleo das quatro mais pequeninas - Outeiro, Ferreiró, Parada e Bagunte - tenho algumas dúvidas. Aí, as populações dirão.
Mas defende que deve ser feito um referendo?
Eu defendia. Num sábado à tarde, fazer-se um referendo nas respetivas freguesias. Não tenho dúvidas que será esmagadora a vontade de se separarem.
Acreditou que seria possível a maioria absoluta de António Costa?
A princípio acreditei, mas, ao longo da campanha, tive muitas dúvidas. Acho que o processo em si contribuiu para que nós conseguíssemos atingir a maioria absoluta. As sondagens de última hora que davam o PS e o PSD muito próximos um do outro, fizeram com que o eleitorado de esquerda achasse que era a altura de não permitir que a direita voltasse ao poder. E, portanto, o chamado voto útil funcionou. Acho que foi bom, porque precisávamos de estabilidade.
"Vila do Conde parou ou retrocedeu e isso foi o que os vilacondenses verificaram ao fim destes quatro anos e deram, agora, a maioria ao PS"
E porquê oito anos para este livro. Ficou à espera que o concelho se "reconciliasse" com o PS?
Não. Acho que o concelho nunca deixou de estar bem com o PS. Nos primeiros quatro anos, fiquei como presidente da Assembleia Municipal e não me pareceu lógico trabalhar no livro. Depois, por dificuldades várias, do designer, da tipografia... demorou um bocadinho, mas a população nunca teve razões para estar zangada com o PS.
O PS fez um bom mandato de 2013 a 2017, tanto que, em 2017, quando houve a cisão da presidente com o resto dos vereadores, os vilacondenses deram-lhe uma votação maioritária. Agora, de 2017 para 2021, é que as coisas não funcionaram como deviam, mas isso foi exatamente por não estarem lá os vereadores do PS. Vila do Conde parou ou retrocedeu e isso foi o que os vilacondenses verificaram ao fim destes quatro anos e deram, agora, a maioria ao PS.
Sentiu também algum alívio na noite das eleições por ter responsabilidade nesse rumo?
Senti alívio exatamente por isso, porque acho que Vila do Conde parou nestes últimos tempos. O problema do preço da água, o impasse absoluto no hospital de Vila do Conde - o não cuidado que tem havido e vermos que o hospital da Póvoa está a avançar a sério e em Vila do Conde não se fez nada; a nova esquadra da PSP e o quartel da GNR em Modivas... Houve tanta coisa, que eu acreditava, sinceramente, que ia haver uma mudança.
Este livro também é uma forma de dizer aos vilacondenses que não irá voltar?
Voltar não, nem pensar. Estou disponível para tudo. No que eu possa ajudar Vila do Conde ou um qualquer vilacondense. No último mandato, ajudei a resolver problemas das juntas de freguesia, das instituições sociais, de pais em escolas. E isso faz-me sentir profundamente feliz. Para isso vou estar sempre disponível, agora para regressar a qualquer função executiva, seja ela qual for, isso não.
Nem pelo "seu" Rio Ave FC?
Continuo a sofrer com o Rio Ave, mas saí em consequência de razões que eu não percebi, de influências externas e, portanto, não está nas minhas previsões voltar ao clube. Agora, vejo com muita ansiedade o que se vai passando, receio alguma coisa em relação ao futuro, mas vamos ver. Estarei disponível para ajudar a procurar soluções, se isso for necessário.
Portanto, vai continuar "por aí"?
Vou continuar a ajudar, porque as pessoas foram tão excecionais nos 40 anos que estive na Câmara, a forma como sempre me incentivaram, me trataram e me apoiaram, que merecem toda a colaboração que eu lhes possa dar e muito mais.