Marques dos Santos é o rosto de um cargo inaugurado e exercido pela "melhoria contínua" da cidadania e dos serviços prestados aos cidadãos do Porto.
Corpo do artigo
O Poder Local democraticamente instituído em Portugal demorou quase meio século a estabelecer a figura do provedor do munícipe. "Tudo leva o seu tempo", observa Marques dos Santos. Chegou também a hora de saída do ilustre académico que inaugurou e geriu, durante o anterior mandato de Rui Moreira, o gabinete ao qual os portuenses se dirigem desde junho de 2018 para defender os seus interesses e garantias junto da Câmara. Aos 74 anos (faz 75 a 31 de janeiro), o antigo reitor da Universidade do Porto deixa o cargo que exerceu como "uma experiência interessante" e passa o testemunho a Maria José Azevedo, ex-jornalista e ex-deputada municipal, que será empossada em janeiro.
Que balanço faz do seu mandato?
É muito positivo. Foi uma experiência interessante. E gostei. Gostei do trabalho que foi realizado, dos resultados alcançados e do grupo que trabalhou comigo. A dra. Inês Castro, a dra. Helena Sousa e a dra. Rosa Maria fizeram um trabalho extraordinário. Ajudaram a montar o gabinete, de maneira muito dedicada e profissional. Fica ali um gabinete para dar continuidade ao trabalho.
Por que razão demorou a ser criada a figura do provedor do munícipe?
Não posso responder concretamente. O pensamento humano vai evoluindo e tudo leva o seu tempo. As coisas vão-se criando, vão surgindo os problemas e a necessidade de resolver esses problemas. Surge também uma consciência cada vez mais aguda de servir bem os utentes. E o Gabinete do Provedor do Munícipe pode ser uma ferramenta muito interessante de melhoria contínua. A prestação de serviços pode melhorar com base no que se verifica não ter sido feito tão bem e nos alertas dos munícipes, ou porque foram prejudicados ou porque querem fazer uma queixa. É claro que nem sempre os munícipes têm razão, mas, muitas vezes, têm. E nota-se que há ali retorno importante para a melhoria contínua. É importante que os serviços se mostrem abertos a usufruir desse apoio, no sentido de melhorarem e de se adaptarem à função que deles se pretende, que sejam competentes no atendimento, com humanismo e respeito pelos utentes.
Como avalia a perceção que os munícipes têm do provedor?
É algo que merece ser constantemente divulgado. Hoje, muita gente já recorre ao Gabinete do Provedor do Munícipe da Câmara Municipal do Porto e muitas vezes são pessoas que nem se nos dirigem por um assunto que diga respeito ao provedor e que é mais da competência direta dos serviços. Mas não deixamos cair nada em saco roto e remetemos para os serviços. E isso é que é importante: acompanhamos o processo, damos "feedback" ao munícipe e informamo-lo sistematicamente do estado de avanço do processo que nos foi submetido.
O facto de ser nomeado pela Câmara não limita o provedor?
A mim não me limitou nada. Tive sempre total liberdade. Nunca ninguém me pressionou. Todas as recomendações e relatórios são públicos, estão no site da Câmara. As pessoas podem ver tudo. Nunca sentimos qualquer limitação. O Gabinete do Provedor do Munícipe não é um serviço da Câmara, é uma entidade que está ligada à Câmara, como o provedor de justiça está ligado ao Estado. Tem de ter total independência e é livre de contactar os serviços, de lhes fazer as perguntas que entender. E estes seguem ou não. Não é obrigatório que sigam, mas, se forem conscientes, se tiverem brio naquilo que fazem, procuram perceber se há razão para corrigir o que não está tão bem.
Qual foi a situação de maior litígio que teve de dirimir?
Não posso dizer que tenha tido grandes litígios. Identificámos vários casos dos quais considerámos que não tiveram a solução mais adequada e conseguimos, junto de diversos serviços, reverter e corrigir muitas situações. E devo dizer, com toda a franqueza, que, no fim deste tempo todo, sinto da parte dos serviços que houve uma evolução positiva, que acho que pode e deve continuar.
No relatório de atividades de 2020 deu nota da desconfiança e até da resistência de alguns serviços municipais, por verem no provedor do munícipe um órgão fiscalizador. Como evoluiu essa relação?
Evoluiu muito positivamente. Hoje, a grande maioria dos serviços olha para o provedor - que, às vezes, até os invetiva - já de uma maneira positiva, já como parceiro de um processo de melhoria contínua e não como um fiscalizador, que nunca fomos. O provedor do munícipe não é fiscal dos serviços da Câmara: só analisamos as queixas ou as reclamações que nos chegam e nos levam a ver se o serviço agiu corretamente.
Também denunciou descuidos e negligências. Como ultrapassou essas dificuldades?
Esse foi um dos problemas grandes, que se foram atenuando e que não estão totalmente resolvidos. Há certos serviços que ainda têm prazos incompatíveis com os regulamentos e com a legislação e que são alvo de muitas queixas. E o gabinete, lá está, depende das respostas dos serviços, porque estes têm prazos para responder e porque o provedor também tem 30 dias para dar resposta ao munícipe. O que fazemos é acusar imediatamente a receção e, semana a semana, ou quase, contactamos o munícipe a dar-lhe conta da evolução do processo. Verificámos que havia muitos serviços que recebiam a queixa e nunca ligavam nada ao munícipe. E isso é que não pode ser. Se demoram mais tempo, devem informar do andamento dos processos.