Mercado temporário do Bolhão encerra este sábado portas. Os comerciantes preparam agora a transferência para o antigo e emblemático edifício cuja requalificação durou quatro anos.
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No mercado temporário do Bolhão começa-se a preparar a ansiada transferência. O que é para levar é encaixotado e tudo o resto de difícil conservação é doado. As bancas vão ficar vazias e as portas de acesso pelo centro comercial são hoje encerradas ao público. Na quinta-feira, abrirá o histórico e renovado edifício. O sentimento geral é de satisfação, mas dizem que há pormenores a ser ajustados. Algumas lojas do exterior e a restauração vão abrir mais tarde.
Amélia Babo vende pão no Bolhão há 35 anos e herdou o espaço da mãe. Nos últimos meses têm contado os dias de regresso. "O meu espaço está bonito e nem precisava de uma área tão grande. Só faço um reparo: não vou ter muita privacidade. Mas será sempre melhor do que aqui. O Bolhão é a nossa casa, apesar de aqui nos terem dado todas as condições para trabalhar", afirma a comerciante.
A azáfama é grande. Há tábuas espalhadas pelo chão e entoam as pancadas de martelo. Hoje de manhã, às 10 horas, um grupo de comerciantes levam a imagem de Nossa Senhora da Conceição do mercado temporário para o restaurado Bolhão, "para abençoar a casa de sempre" e ficar no nicho junto à entrada sul, na Rua Formosa. Durante quatro anos, a padroeira teve estadia numa vitrina ao fundo das escadas rolantes do piso -1 do centro comercial La Vie, onde todos os vendedores históricos ocuparam uma área de 5600 metros quadrados.
"Temos de agradecer ao presidente Rui Moreira por nos ter dado este espaço e nos manter todos juntos durante este tempo todo! Mas o importante é regressar. Já fui ver a minha banca, não escondi a emoção e até chorei. Está tudo bonito e a gente, que sempre trabalhou lá à chuva e ao frio, até estranha", conta Sara (Araújo) Peixeira. A mesma gratidão para com a autarquia é encontrada nas palavras de André Fernandes, o amolador que operava junto à entrada da Rua de Fernando Tomás mas que agora descerá até à entrada sul.
falta de informação
"De início, foi um bocado complicado aqui no mercado temporário, porque os clientes não estavam informados e apareciam poucas pessoas. Depois foi a pandemia mas nos últimos tempos o ambiente era bom", explica. Agora André arruma a sua banca. Diz que aproveitou os meses de pandemia para lançar-se no fabrico das suas próprias facas, um negócio de cutelaria que abriu com a mulher.
O temporário acolheu 82 comerciantes históricos, tendo atravessado uma pandemia com fortes condicionantes mas sem fechar as portas. Recebeu em quatro anos perto de 6,5 milhões de visitantes. A maioria volta para o "velho" Bolhão mais 12 inquilinos estreantes. Ernestina Barros ou "Tininha", como carinhosamente é chamada e que durante décadas esteve ao balcão da Manteigaria do Bolhão não regressa ao antigo edifício. É a vendedora mais antiga, com 87 anos, tendo fundado o negócio com o marido há 66 anos. As novas regras ditaram que apenas poderia vender laticínios. "Confessando estar cansada" diz que "é tempo de parar".
fruta de barcelos
O mesmo já não acontece com as irmãs Laurinda e Arminda Araújo que vendem fruta há mais de 60 anos. São naturais de Barcelos. Arminda veio para o Porto para servir ainda criança e mais tarde chamou a irmã "assim que a senhora que vendia ovos no Bolhão ficou doente". Com a morte dela ficaram com o lugar, acrescentando a venda de fruta. "Estamos muito contentes em voltar para a antiga casa. Está linda e vai correr tudo bem", garante Laurinda.
Maria Olinda Remísio está "morta por regressar" ao lugar onde vendeu 49 anos. "Não vou dizer que estou muito satisfeita com o espaço que me calhou mas o importante é voltar. Fiquei um bocado desiludida mas depois certamente vai haver ajustes. Vou ficar do lado da Rua de Alexandre Braga", refere Lindinha, que vende no Bolhão desde os cinco anos, na salsicharia que era da mãe.
O processo de transferência será mais demorado para os estabelecimentos da restauração. Nuno Fernandes, filho da Dona Gina, juntamente com a mãe embala pratos, talhares e outro material do café, que terão de levar para casa. "Vamos tentar que a obra seja concluída até meados de outubro, no pior dos casos novembro. Tudo dependerá das burocracias pois ainda não saíram as taxas de alvará para serem entregues ao empreiteiro. Mas estamos otimistas", diz Nuno Fernandes. Também Miguel Durães, com uma das lojas no exterior, de plantas e sementes, diz que "este processo final não foi muito bem pensado". Dificuldades na obtenção de licenças e alvarás empurraram a sua transferência só para daqui a um mês.
A não esquecer
Encerrou em 2018
Depois de anos de indefinição, de avanços e recuos quanto à reabilitação, Rui Moreira decide avançar com a requalificação e o mercado encerrou para obras no dia 28 de Abril de 2018.
Área logística
As obras sofreram várias vicissitudes. Todos os elementos antigos e a traça original foram preservados e é criada no subsolo uma grande área logística, com espaço para estacionamento e para operações de cargas e descargas.
Reorganização
O mercado, inaugurado em 1914, continuará a estar vocacionado para a venda de produtos frescos e alimentação. No miolo central ficarão as 81 bancas e lojas e, no piso superior, os dez restaurantes. No exterior permanecerão as 38 lojas de atividades diversificadas.