Encerramento do centro comercial vai desalojar centenas de artistas, que rejeitam a opção do silo auto apresentada pela Câmara do Porto.
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O fantasma do encerramento sempre pairou sobre os cerca de 500 músicos que têm no centro comercial Stop, no Porto, estúdio e sala de ensaio. Mas a assombração está prestes a materializar-se, após o Município ter anunciado que o edifício vai mesmo fechar, por falta de condições. Os músicos vivem em sobressalto, sem alternativa à vista, até porque a hipótese do silo auto, apontada pelo presidente da Autarquia, Rui Moreira, é rejeitada.
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Há muito que chamar centro comercial ao Stop é uma formalidade. Desde os anos 90 que o edifício está transformado numa verdadeira casa da música, com dezenas de bandas a ocupar as lojas. Um movimento que gerou comunidade.
Em 2015, João Guimarães entrou no Stop movido por uma das suas grandes paixões: o rock. Em 2019, adquiriu uma sala própria e desde então a sua banda, Traço, ensaia e grava no espaço. Agora, tal como os restantes músicos, está de saída do centro comercial.
Sem data prevista para fechar, João já está a procurar uma nova casa para o projeto, apesar das dificuldades. "O facto de fazermos barulho e a ocupação dos instrumentos condicionam a nossa ida para certos locais. Se não for um sítio como o Stop, quando ligar a bateria acústica os vidros vão começar a tremer e vai ouvir-se em todo o lado", explicou.
De acordo com Anselmo Canha, cofundador da banda de pop rock eletrónico Repórter Estrábico, "a ameaça de fecho é velha". A incerteza é uma constante. Agora, além de não saberem quando encerra o espaço, os músicos não sabem para onde vão. E Anselmo alerta: "Os artistas vão espalhar-se pela cidade e provocar problemas por todo o lado, porque vão fazer barulho em mais sítios".
Quando chegou, há 26 anos, o processo para se conseguir uma sala no Stop era mais rigoroso, algo que, segundo Anselmo Canha, se foi perdendo. "Nos dias de hoje tornou-se natural chegar aqui um grupo de miúdos e pedir uma sala. Antes tínhamos de cumprir certos requisitos, como insonorizar as salas ou conciliar horários com os gabinetes de engenharia", explicou.
Inspeções ao edifício
Segundo a Câmara do Porto avançou ao JN, "o relatório de inspeção [ao edifício] já está concluído pelo Regimento dos Sapadores Bombeiros", seguindo-se a avaliação da Proteção Civil. Como noticiamos, o edifício tem problemas estruturais, designadamente quanto à segurança, e muitas lojas continuam sem licença. Mas não há dinheiro para fazer a intervenção necessária.
Rui Moreira confirmou que, tal como está, o espaço terá de encerrar e apontou os pisos superiores do silo auto como alternativa para os músicos. "O silo auto é para carros", lê-se numa das paredes do Stop.
Segundo o diretor da Associação Cultural dos Músicos do Stop, Rui Guerra, "foi uma ideia falada de forma muito vaga e não muito pensada". "Está fora de hipótese ir para lá. As obras que seriam feitas no parque de estacionamento também podiam ser feiras no Stop. Mas é extremamente caro transformar o local e não acho que tenha espaço para todos os artistas", acrescentou.
Anselmo Canha admite que a Câmara "tem feito esforços e reconhece o valor do espaço", mas diz que a proposta do silo auto "é um absurdo e que não faz sentido", até porque "o movimento artístico do Stop nasceu a recuperar um espaço que não era válido".
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