Recurso de obstetra trava pagamento de 385 mil euros fixado por tribunal. Ficou com incapacidade de 95% após parto.
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Gonçalo Damasceno, que nasceu na maternidade de Mirandela com uma incapacidade de 95%, completou ontem 17 anos. O seu tempo de vida coincide com o tempo que os pais levam lutando por justiça, os últimos oito dedicados a tentar obter a indemnização por negligência médica, crime provado em tribunal e confirmado em instância de recurso.
"É um sentimento de revolta e de injustiça. Incompreensível", lamenta a mãe, Isabel Bragada, que aguarda há dois anos a decisão do recurso apresentado pela médica obstetra, que foi condenada em conjunto com a sua seguradora e a Unidade Local de Saúde do Nordeste (ULSNE) ao pagamento de uma indemnização de 385 mil euros, por danos morais e patrimoniais, a que acrescem os custos de adaptação do apartamento familiar.
Prisão com pena suspensa
O caso remonta a 11 de fevereiro de 2003. Isabel deu entrada na maternidade do Hospital de Mirandela, pertencente à ULSNE, com 39 semanas de gestação, e a obstetra decidiu que iria provocar o parto. Apesar de estar em regime de presença física, a médica ausentou-se do hospital. O feto veio a ficar encravado, do que resultaram dificuldades respiratórias e deficiente oxigenação do sangue. A médica foi chamada e teve de socorrer-se de ventosa, mas o bebé nasceu com paralisia cerebral e epilepsia. Gonçalo ficou sem qualquer mobilidade, não fala, alimenta-se através de uma sonda e é ventilado durante a noite.
Em 2010, o Tribunal de Mirandela condenou a médica a três anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de recusa de médico, sendo a pena confirmada pela Relação do Porto, em fevereiro de 2012. Foi por essa altura que os pais deram entrada da ação para obterem indemnização, sendo a sentença proferida em 2018.
A ULSNE e a seguradora acataram a decisão da indemnização de 385 mil euros, mas a médica recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Porto, o que suspendeu a aplicação do acórdão. Devido ao agravamento do quadro clínico, há dois anos que ´Gonçalo está, em permanência, no Kastelo, unidade de cuidados continuados e paliativos pediátricos situada em Matosinhos, a 140 quilómetros de Mirandela.
"A vantagem é o bem-estar e a saúde dele, mas, em termos emocionais, a distância provoca muita angústia, porque sentimos a necessidade de estar com ele e não podemos", diz Isabel, lembrando os custos com esta situação: "É brutal, porque não temos ajuda de ninguém. Só nestes dois anos, os encargos ultrapassaram os 20 mil euros, sem contar com fraldas, medicamentos e cremes. Muito agradeceríamos se alguma empresa pudesse ajudar-nos com esse material".
Diz Isabel que esta luta tem tido consequências para a família. "Ao longo destes anos, tivemos de pagar todas as custas judiciais, porque temos de acompanhar os recursos e os honorários dos advogados", lembra.
Seis processos arquivados contra Artur Carvalho
Outro obstetra tem sido notícia nos últimos meses. Artur Carvalho, acusado de não ter detetado as malformações de Rodrigo, bebé que nasceu sem rosto em outubro do ano passado no Hospital de Setúbal, já teve seis processos disciplinares arquivados na Ordem dos Médicos. O último data do passado dia 7, segundo a Imprensa. Em dezembro, o bastonário revelou que Artur Carvalho tinha 14 processos pendentes na Ordem. Um dos casos que ainda falta analisar é o de Rodrigo, que nasceu sem olhos, sem nariz e sem uma parte do crânio.
Datas
11 de fevereiro de 2003
Gonçalo nasce na maternidade do Hospital de Mirandela (fechou em 2006) com multideficiência profunda. Pais responsabilizam obstetra por se ter ausentado, quando estava em regime de presença física.
20 de setembro de 2010
Tribunal Judicial de Mirandela condena a obstetra a três anos de prisão, com pena suspensa, pelo crime de recusa de médico. Pena foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, em fevereiro de 2012.
22 de fevereiro de 2012
Entra no Tribunal Administrativo de Mirandela uma ação comum contra o Centro Hospitalar do Nordeste - agora ULS do Nordeste - e contra a obstetra, Olímpia do Carmo. Pedido de indemnização de 778 mil euros.
15 de fevereiro de 2018
Dezasseis meses depois de terminarem as sessões do julgamento, o tribunal condena os arguidos ao pagamento de 385 mil euros e a custear as obras de adaptação do apartamento às necessidades do Gonçalo.