O 31 de março de 1989 foi uma espécie de 25 de Abril contra a ditadura dos eucaliptos, em Veiga de Lila, Valpaços.
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O povo dali e dos arredores uniu-se, às centenas, como talvez nunca tenha feito, para arrancar uma plantação ainda fresca de 200 hectares na Quinta do Ermeiro. Era o medo de sugarem à terra a água tão necessária por aquelas bandas e do pasto fácil para os incêndios. Mas, no imediato, era o dinheiro da jorna no olival que se perdia. A GNR foi lá tentar impedi-los. Mas, unidos, jamais foram vencidos.
"Que estava lá a fazer aquela porcaria?", atira Delfina Cardoso, nascida há 83 anos naquela aldeia, cruzamento de muitas passagens para outras terras, onde o olival sempre medrou. O Ermeiro era "um encanto" a fartar de jornas os trabalhadores agrícolas. "Andávamos lá 30 pessoas, três meses a apanhar azeitona. Uns cem mil quilos. O melhor azeite do Mundo", lembra Amândio Ferreira, 79 anos. "Carai, era um terreno bô. Ganhei lá muita jeirinha. Oito escudos por dia", acrescenta Cândida Monteiro, 83. "Dava um grande jeito naquele tempo de miséria", torna Delfina.
Outros planos
Mas a empresa de celulose Soporcel tinha para ali outros planos. "Arrancaram as oliveiras para lá botar eucaliptos!", indigna-se Armando Pereira, 77 anos. "Os senhores chefes daquilo - parece que o Diabo já se encarregou deles - disseram que eram só 50 hectares e quando fomos a dar conta já eram para cima de 200. Duma ponta à outra!".
Naquele 31 de março, Armando entregou o rebanho ao cuidado de um filho e levou o outro e a mulher atrás. Juntaram-se ao "exército" arregimentado porta a porta. Amândio conta que andava a ser preparado à socapa. "Só diziam que ia haver revolução". Chegada a hora, "ala por ali acima", a caminho do Ermeiro. "Ao ataque!" Eram centenas deles. "Cada um arrancava para seu lado. Uma mão num, outra mão noutro. Tudo a eito. Eram pequeninos, conforme se lhe botava a mão... "fssssst!",...saltavam logo". Os olhos de Armando ainda brilham. Os de Cândida também: "Eu levei os filhos e pintei pra lá o diabo".
Depois apareceu a GNR. Com fartura. Alguns a cavalo. Armando: "Jesus, só se via Guarda por todos os cantos! Eles diziam que faziam e aconteciam... E nós, "matais o carantchas é o que matais!" Ofereceram muita porrada, mas eu tinha um sacholo bô, outro tinha um sacho, outro uma foice......Ah catano! Eu acho que eles também nos temeram".
"Pior eram os cavalos. Mas não tínhamos medo deles. Era sempre a direito", recorda Cândida. "Se nos dissessem que vinha aí a guerra e que nos matava a todos, ninguém se ia embora". Alguns foram parar a tribunal e pagaram multas. "Ainda deram parte do meu marido e do meu filho, mas depois não deu nada", salienta Delfina.
Ninguém mais tentou plantar aquelas árvores por ali. "Também não adiantava. Com a mocidade que havia na altura... desaparecia tudo, homem!" Naquela povoação de Valpaços acredita-se que a batalha dos eucaliptos a salvou do fogo. Ainda lá ficaram uns poucos no Ermeiro, mas o povo já não se preocupa. "Se não fossem os eucaliptos, algum dia tinha morrido tanta gente lá pra baixo [Pedrógão]?", volta Armando.
Durou dias
A revolução de Veiga de Lila durou vários dias. E ainda se estendeu a uma quinta perto da aldeia vizinha de Rio Torto. "Fomos para lá de madrugada. Umas 200 ou 300 pessoas. Às nove da manhã, estava tudo arrancado. Ali não houve oposição nem nada", orgulha-se Amândio.
"Ninguém se arrepende do que fizemos", conclui Cândida. "Lutámos, mas vencemos!" "E agora temos uma floresta bonita. Deus queira que nenhum malandro se lembre de lhe chegar o fogo", deseja Delfina.
Caminho difícil para o fogo
Em Veiga de Lila, dificilmente o incêndio chega às casas. "Não há árvores com a rama em cima dos telhados. Só campos agrícolas", realça o presidente da Junta, Carlos Eiriz Ferreira. Na freguesia há cerca de "500 hectares de floresta". A mancha estende-se às vizinhas, também em Mirandela e Murça, num total de 5500 hectares. Em Veiga de Lila, fica a sede de uma associação agroflorestal que engloba sete juntas. Recentemente criaram uma equipa de sapadores que vai começar a trabalhar em breve.