Dois arquitetos e três geógrafos retratam no livro "A Baixa do Porto" a transformação ocorrida nos últimos dez anos.
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Ao longo dos últimos dez anos, o Porto sofreu uma "transformação brutal", do edificado, do tecido económico e também social. "A Baixa do Porto", livro escrito em conjunto por dois arquitetos e três geógrafos, faz o retrato dessa mudança, da "turistificação" da cidade, das reabilitações bem conseguidas, mas também do fachadismo. O livro, lançado recentemente na Feira do Livro, não faz juízos de valor, apresenta factos e "ficará para memória futura". Mas promete relançar o debate sobre o Porto do futuro. O primeiro, e com base nesta obra, será promovido em breve pela Ordem dos Arquitetos.
"O objetivo principal foi fazer um registo para memória futura. Para que se saiba o que aconteceu na cidade do Porto nesta década em que houve uma transformação brutal do edificado. Com uma preocupação não diria de neutralidade, mas de isenção", explica o geógrafo José Alberto Rio Fernandes, um dos autores. A Baixa foi a área escolhida por ser "o espaço mais simbólico e onde ocorreram as transformações mais significativas".
Um conjunto de 50 imóveis são tratados no livro, é descrita a forma de intervenção, o promotor da obra, o estado de conservação no início da intervenção, o primitivo e a nova utilização. Muitos poucos mantiveram a função para que foram construídos. "As alterações de uso mais visíveis ao longo desta década prende-se com a criação de alojamento destinado a turistas. Ou seja, a substituição de habitação de residentes permanentes por população flutuante. E as modificações no tecido comercial com o encerramento daquilo que era o comércio tradicional muito orientado para as necessidades do dia-a-dia da população para a abertura de cafés e de novos serviços como lavandarias self-service, direcionado para os novos utilizadores", explica Pedro Chamusca.
O que se ganhou e perdeu nestes dez anos vorazes? "As perdas são várias. Não são iguais em todos os locais. Há desaparecimento local e histórico e a perda de alguns edifícios ou parte de edifícios com interesse. Mas há outros edifícios que foram restaurados com maior critério de responsabilidade e rigor. Esses são diminutos", diz o arquiteto José Pedro Tenreiro. A maior parte das intervenções resultou em reabilitações profundas e no fachadismo (manutenção apenas da fachada).
Uma legislação permissiva e facilidade de financiamento permitiram, como explica no livro o arquiteto desenhador Pedro Figueiredo, essa febre voraz na requalificação e no mercado do imobiliário. E para Rio Fernandes "mudar a grande velocidade" oferece perigos. "O caráter de uma cidade perde-se se ela não se mudar. Se a cidade ficar parada morre ou fica como um postal ilustrado", refere o geógrafo. Contudo, acrescenta, "as cidades sempre se fizeram muito a partir dos seus habitantes e o que está a acontecer é que as cidades estão a alterar-se não a partir dos habitantes, mas a partir dos seus visitantes e da tal turistificação".
Perda de moradores
Uma cidade "provinciana, no melhor dos sentidos, sempre preocupada com os seus" e que está a mudar. Para os autores de "A Baixa do Porto - Arquitetura e Geografia Urbana" deixou de existir uma preocupação com a envolvente, com os municípios vizinhos, o Douro e Trás-os-Montes. "Passou a ser muito mais uma cidade preocupada com os voos da Ryanair, com os cruzeiros cheios de turistas, com a finança e o negócio imobiliários e não com os pequenos negócios locais e com as suas gentes", salienta Rio Fernandes. Perderam-se moradores. "Há uma realidade clara: muita gente deixou de morar no Porto porque o preço do solo aumentou", refere Jorge Ricardo Pinto.
Também Pedro Chamusca alerta para um "futuro que não pode ser traçado apenas numa economia de excel mas numa economia com rosto". Para este geógrafo, "a cidade com alma e identidade é uma mistura de três coisas: a arquitetura, as pessoas e atividade económica não centrada apenas na finança e no lucro". O debate está relançado.
Das origens até ao triunfo do turismo
O livro "A Baixa do Porto" (Book Cover Editora, 20 euros) começa por apresentar os antecedentes, da evolução da Baixa ao "triunfo do turismo". Seguem-se as mudanças operadas entre 2010 e 2020 e "A Baixa que Queremos". O trabalho contou com o patrocínio da APDL e parte da investigação está associada ao projeto SMAR-TOUR, aprovado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.