Nem o Ministério do Ambiente nem a Câmara de Matosinhos parecem estar dispostos a assumir os 19,6 milhões de euros que o promotor do hotel na praia da Memória, em Perafita, Matosinhos, exige pelos prejuízos que a nulidade da licença emitida pela Autarquia implicou.
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A tutela considera que "a responsabilidade imediata incide sobre o Município" por ter emitido o título que permitiu a construção "e que, posteriormente, considerou inválido". Por sua vez, a Câmara afirma não ter cometido "qualquer ilícito" e, por isso, entende que "não lhe poderá ser exigida qualquer indemnização". A obra está parada.
A quantia é exigida à Câmara de Matosinhos, ao Ministério do Ambiente e diretamente ao próprio ministro João Pedro Matos Fernandes e à autarca Luísa Salgueiro.
Na ação, que deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a 25 de agosto, o empresário Mário Ascenção pede, em primeiro lugar, que o despacho que declara nula a licença, assinado pela autarca Luísa Salgueiro, seja anulado. Com isso, o promotor espera poder retomar a obra e concluí-la (os trabalhos começaram no ano passado e previa-se que o hotel ficasse pronto em 2021). "Caso contrário, fazemos contas", afirma o promotor ao JN, que mantém a convicção de que tem "toda a razão".
Área excluída da REN
Até porque o cerne da questão, acrescenta o empresário, é se o terreno pertence ou não à Reserva Ecológica Nacional (REN). "E a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) continua a dizer que foi excluído", reitera Mário Ascenção, salientando que uma alteração da carta da REN de Matosinhos, aprovada pela Resolução de Conselho de Ministros de 9 de maio de 2013, já previa a construção de um equipamento turístico na zona.
Um dos principais erros que Mário Ascenção aponta em todo o processo é a inspeção ao licenciamento do projeto, instaurada por Matos Fernandes. "Informei da retoma da obra a uma sexta-feira e o ministro encomendou a inspeção na segunda-feira seguinte. E depois de saber o resultado da investigação, o processo deveria ter sido enviado para o Ministério Público", considera o promotor.
Outra das questões expostas pelo empresário é a posição da presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro. Recorde-se que a autarca salientou, por várias vezes, que a construção do hotel era "inatacável". Por isso, Mário Ascenção diz não compreender a mudança de posição da autarca quando decidiu embargar os trabalhos em março deste ano.
A reposição do terreno no seu estado original está suspensa enquanto o processo judicial decorre.
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Autorização
Há 14 anos que Mário Ascenção tentava submeter um projeto para um hotel naquela área. A licença foi emitida, e assinada por Eduardo Pinheiro, então autarca de Matosinhos e agora secretário de Estado da Mobilidade no Ministério do Ambiente.
Obra parada
Após o embargo da obra, em março, pela Câmara Municipal de Matosinhos, Mário Ascenção contestou a decisão. No entanto, a Autarquia considerou que os trabalhos deveriam parar.
Avanços e recuos do processo
Outubro de 2019
Obra suspensa para negociar "soluções alternativas" com o Governo e a Autarquia, dois meses depois de ter arrancado. Relocalizar o hotel foi uma das hipóteses em cima da mesa
Dezembro de 2019
Negociações revelam-se infrutíferas e trabalhos no terreno são retomados. Ministro do Ambiente pede uma investigação ao processo de licenciamento da obra
Março de 2020
Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, homologa o relatório apresentado pela IGAMAOT e assina um despacho a decretar o licenciamento nulo.
Abril de 2020
Presidente da Câmara de Matosinhos assina ordem de embargo após ter anulado licença. Autarquia exige demolição do edificado e reposição do terreno nas condições originais
Abril de 2020
Promotor pronuncia-se em audiência prévia: considera "ilegal" a inspeção ao processo de licenciamento e recorda que todas as entidades deram luz verde ao projeto
Abril 2020
Governo retira título de "utilidade turística" ao empreendimento. O responsável pelo edifício ficaria isento do pagamento de IMT e de IMI durante sete anos.