Na grande maioria são estudantes. Vivem desde criança com o sonho do circo, atividade que por causa da pandemia praticamente desapareceu. Em Portugal, apenas cinco circos clássicos estão a trabalhar.
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Sem apoios e muitas vezes sem retaguarda familiar estes jovens das escolas portuguesas aproveitam os tempos livres para alegrar os automobilistas que param nos semáforos em troca de uma simples moeda, o suficiente para sobreviverem.
Pelas ruas e avenidas do Porto, sempre que o sinal fica vermelho para os automobilistas irrompem com números de malabarismo e acrobacias. "São tantos e é terrível o facto de não haver trabalho para todos eles desenvolverem a sua criatividade", diz Julieta Guimarães, responsável pela Erva Daninha, companhia de circo contemporâneo portuense, também ela a passar por momentos dramáticos. Julieta fala em "incerteza e da muita falta de compromisso" das entidades contratantes o que impede que companhias como a sua possam ajudar muitos destes jovens artistas.
Miguel e Angie
Animação com cumplicidade
Em Portugal existem apenas duas escolas de ensino profissional nas artes do circo. O Instituto Nacional de Artes de Circo, em Famalicão, e a Salto - International Circus School, na Maia, e nem sempre é fácil custear o curso. "Há situações dramáticas porque muitos são estrangeiros, sem rede de suporte por não terem a família cá, sem documentação legal e sem a possibilidade de a obter por não haver trabalho", conta Julieta Guimarães. "Os cursos são muito caros. No meu caso pago 3500 euros por ano em propinas", diz Miguel que, juntamente com a companheira, a colombiana Angie, anima quem passa. Ele é malabarista. Ela acrobata, mas ambos juntam as duas artes num único número.
Confessam que ganham dinheiro para as despesas mas falam de um futuro incerto, de um circo clássico que praticamente acabou e do contemporâneo a que a covid-19 veio travar a evolução. Miguel trabalhava numa empresa de distribuição, mas há três anos decidiu enveredar pela sua paixão: o circo contemporâneo. Fazia eventos aos fins de semana, mas acabou por entrar no INAC. Tem 25 anos e não se arrepende da decisão. Angie, de 26 anos, natural da Colômbia, solta a timidez assim que avança sobre a passadeira. Sorri e acena para os automobilistas.
Pablo
Criar companhia na Póvoa de Varzim
Tal como ela, também Pablo, de 23 anos e natural do Chile, chegou a Portugal "pela qualidade das escolas que aqui existem" e após pesquisa na Internet. Sempre que a carga horário dos cursos o permite e nos dias de folga partem para o Porto. "Esta é uma boa altura porque as pessoas com o Natal ficam mais solidárias", afirma Pablo, cuja especialidade são os aéreos, mas dada a dificuldade em se poder pendurar em cordas e cadeados em plena rua opta pelos pinos.
Tinha 14 anos quando começou a atuar nas ruas de Santiago do Chile. Há quatro meses, juntamente com seis colegas, fundou na Póvoa de Varzim a companhia Los Gatos Pingados. Pablo não deixa de "sorrir para o futuro apesar dos tempos sombrios em que vivemos" e defende que deveria haver mais apoios para os artistas de circo, nomeadamente da Segurança Social.
Corey
Do Texas para a Circunvalação
"Gosto de Portugal. É barato e aqui as pessoas são muito simpáticas", diz Corey, jovem de 24 anos, natural do Texas, nos Estados Unidos, e que nos semáforos entre a Rua de Roberto Frias e a Estrada da Circunvalação anima os automobilistas com acrobacias. De camisola amarela e jardineira azul, o rapaz ruivo faz piruetas ao longo da passadeira. "Uso o meu corpo para comunicar com as pessoas, é o meu instrumento", explica. Corey é um misto de palhaço e malabarista. Está no primeiro ano do curso do INAC, Instituto Nacional de Artes do Circo, em Famalicão, e diz que não quer regressar à América, preferindo montar um espetáculo e percorrer a Europa.
Olha para o semáforo e assim que cai o vermelho para os automobilistas e o verde para os peões avança. Sabe que tem cerca de um minuto ou um minuto e dez segundos para executar o número, incluindo os 20 segundos para pedir a moeda. "Já temos tudo decorado e assim que o tempo termina resta-nos sair rapidamente, pois os mais impacientes ao volante começam logo a apitar", acrescenta a sorrir.
Leonardo
Em monociclo a fazer malabarismo
Não muito longe de Corey, o catalão Leonardo faz os seu número com malabares. Tem 32 anos e não frequenta nenhuma das escolas de circo portuguesas. Atuar na rua é a sua paixão e já faz animação há três anos.
Começou a fazer malabarismo com bolas mas os malabares foram sempre a paixão de infância. "Desde criança ficava maravilhado sempre que via um artista ao vivo ou na televisão", conta. Mas também faz de palhaço e anda de moniciclo. Chegou a ter uma companhia independente que não resistiu ao embate da pandemia. "Também não sou de rotinas. O melhor público é este", diz, apontando para as filas de carros.