Sem rendimentos nem outro sítio para ficar, a família de Wameedh - a mulher e os três filhos menores, entre os 12 e os 16 anos - foi instada pela Santa Casa da Misericórdia de Oliveira de Azeméis, que lhe dava apoio, a abandonar no início deste mês o imóvel da instituição onde reside desde julho de 2019, quando chegou a Portugal.
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Oriundos do Iraque, estão entre as 76 famílias de refugiados acolhidas pelo Estado português ao abrigo do Programa de Reinstalação em países da União Europeia, mas o processo de integração não teve sucesso e o casal não tem recursos próprios para sobreviver.
Quando, no passado dia 3, findou o programa de acompanhamento em que o agregado familiar estava inserido, Wameedh Alzurfi, de 42 anos, e a mulher, Maysaa, um ano mais nova, perderam o chão: pressionados para abandonar a habitação, ficaram também sem o subsídio mensal de 760 euros e sem o abastecimento de gás na casa, deixando de poder usar o esquentador e o fogão. "Eles nem sequer sabem para onde hão de virar-se", lamenta Helena Castro, cujo marido, Fadhil Almasoodi, soube da situação dos conterrâneos pelas redes sociais. Juntos, decidiram ajudar a família.
Oferece comida
"Venho cá todas as semanas trazer-lhes comida. E tive de comprar-lhes garrafas de gás, porque a Santa Casa suspendeu [esse abastecimento]", adianta Helena Castro, que expôs o caso ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e contactou a Misericórdia de Oliveira de Azeméis, que esclareceu ao JN que voltou a "prosseguir com o fornecimento" de gás. "A Santa Casa quer pô-los fora só porque o programa terminou, em vez de continuar a apoiá-los, dado que não estão integrados nem autonomizados. Disseram-lhes que tinham de sair no [passado] dia 7, e só estão aqui porque insisti com a senhora [técnica da Misericórdia] e disse-lhe que não pode ser assim. Agora, querem que eles saiam no dia 31", conta Helena, que denunciou o caso nas redes sociais e iniciou uma campanha para ajudar a família a reunir verbas para alugar uma casa.
Entretanto, Wameedh viu ser deferido um rendimento social de inserção (RSI) de cerca de 600 euros a partir de dezembro de 2020, embora a carta só tenha saído dos serviços da Segurança Social no passado dia 12. Ainda sem falar português - Fadhil é quem traduz do árabe para inglês -, o iraquiano, que já foi mecânico de automóveis, só quer "arranjar trabalho em qualquer coisa". "Em 18 meses, só foi chamado para uma entrevista de emprego", aponta Helena Castro, enquanto Wameedh explica que o casal teve aulas de português "durante dois meses: uma hora, duas vezes por semana, com catálogos de fruta do Pingo Doce".
justificações
A Misericórdia de Azeméis, que acolheu o agregado através de um protocolo de cooperação com o ACM, refuta a alegada falta de acompanhamento, e afirma que, entre outras "recusas" descritas no relatório de "informação social" sobre a família, o iraquiano "nunca se mostrou verdadeiramente interessado" em arranjar emprego e que "não houve nenhum esforço sério para aprender português".
O ACM garante que "o alojamento deste agregado familiar não estará em causa enquanto se identificam alternativas adequadas".
Estavam integrados na Turquia
A família de Wameedh fugiu de Bagdade, no Iraque, em 2011. Refugiou-se na Jordânia por um ano e esteve dois na Síria, antes de chegar à Turquia, onde viveu durante cinco anos.
Instalados na cidade de Eskisehir, "a viver numa casa muito bonita", contam que estavam "integrados" quando foram incluídos no programa europeu de reinstalação de refugiados, acabando por aterrar em Portugal. Residem em Oliveira de Azeméis, mas estão na iminência de ficar sem teto, não sabendo como poderão sobreviver a partir desse momento.
O Alto Comissariado para as Migrações assegura que, durante os 18 meses do programa, "fez o acompanhamento no terreno" do agregado, tendo realizado, "seis meses antes do término do protocolo", a "aferição da autonomização ou identificação da necessidade de apoios sociais", os quais foram acionados junto da Segurança Social.
Pormenores
76 famílias são acompanhadas pelo ACM e entidades parceiras do programa de reinstalação de refugiados na União Europeia a partir da Turquia (52 famílias) e Egito (24 agregados). Destas, sete famílias residem no distrito do Porto.
630 agregados já foram acolhidos em Portugal ao abrigo dos programas de reinstalação e recolocação, entre 2015 e 2020. A maioria dos refugiados provém de países como o Iraque, a Síria, o Sudão e o Sudão do Sul.